26 maio, 2008
Mudança de Endereço
Tentemos, pois, posto que "quem não arrisca não petisca", e, piores do que estão, as coisas não hão de ficar... =]
Ecco:
http://januacoeli.wordpress.com
Hasta pronto!
29 outubro, 2007
Celibato sacerdotal
Encontrei, por acaso, no blog do Reinaldo Azevedo, um conjunto de posts [intitulados Se o bispo não puxa a sua orelha, puxe a orelha dele (i), Igreja não é armário (ii) e O desastre do celibato: São Pedro tinha sogra! (iii)], nos quais o conhecido articulista tece críticas (por vezes demasiadamente ásperas) à disciplina do celibato sacerdotal, em vigor no rito latino da Igreja Católica. Tal fenômeno é curioso e merece algumas linhas de consideração.
Em primeiro lugar, causa espécie uma afirmação estapafúrdia presente no endereço acima: "Não sou da hierarquia católica, apenas um católico. Como tal, não só posso como devo debater o que não for matéria dogmática" (i). Esta afirmação é - ouso dizer - o ponto nevrálgico de toda essa discussão, o erro original do qual decorrem todos os demais deslizes do autor. Mas, como? Agora os leigos não só podem como devem debater o que não for matéria dogmática?! De onde foi tirado esse despautério?
É bem sabido de todos, mas, dadas as atuais circunstâncias, nunca é demais repetir, que a Igreja possui, ao lado da Autoridade Suprema de Ensino, a Sua Autoridade Suprema de Governo. E tudo o que é "matéria dogmática" pertence, por excelência, à esfera do Ensino da Igreja. Em Sua Autoridade de Governo, a Igreja pode muito bem dispôr de princípios dogmáticos infalíveis e, em si mesmos, irreformáveis, para legislar; mas isso, absolutamente, não é uma necessidade! Em particular, para ficarmos só num exemplo óbvio, o Código de Direito Canônico é direito positivo eclesiástico e, por conseguinte, não é matéria dogmática; estaria então o Reinaldo dizendo que todo católico "não só pode como deve" debater o Direito Canônico? O mundo enlouqueceu! Com uma visão "dualista" do mundo, segundo a qual as únicas opções diante de um pronunciamento da Igreja são ou a adesão divina exigida à Verdade Revelada ou o debate (democrático?), o ilustre articulista, simplesmente, escamoteia a Autoridade Suprema de Governo da Igreja [que, lembremos, segundo o mesmo, "não só pode como deve" ser debatida]!
Na verdade, há aqui uma grande confusão entre matéria, digamos, "magisterial" [por falta de um termo melhor] e matéria disciplinar, seguida de uma confusão ainda maior quanto ao papel do católico diante de uma decisão não-irreformável em si mesma. Uma coisa é uma "questão aberta", um assunto sobre o qual os católicos são livres para adotarem uma posição ou outra: por exemplo, se Nossa Senhora morreu ou não antes de ser assunta aos Céus. Isso é um ponto [propositalmente] omisso na promulgação do dogma: a Igreja entende que tal particularidade em nada afeta a adesão integral ao Depósito da Fé no tocante à Assunção da Virgem Santíssima, que se realiza plenamente quando se diz que Maria foi elevada em corpo e alma aos Céus no final de sua vida terrestre, independentemente do que tenha acontecido a Ela neste "final da vida terrestre" (se Ela morreu e ressuscitou, ou se não chegou nem mesmo a morrer).
Uma outra coisa completamente diferente é a promulgação de uma norma de direito eclesiástico, que (obviamente) não é matéria dogmática, mas que foi efetivamente promulgada e, portanto, está em vigor, como é o caso do celibato sacerdotal. Dizer que "o celibato não é dogma" não é, nem de longe, a mesma coisa que dizer "a existência do Limbo não é dogma". Neste último caso, estamos tratando de uma hipótese teológica cujo grau de adesão exigido, de fato, enfraquece-se quando se diz que ela não é um dogma; mas, para uma questão disciplinar, não faz sentido em se falar em "adesão" de Fé, porque - evidentemente - a uma disciplina não se adere com Fé, mas se lhe obedece. E o fato (aliás auto-evidente) de que uma disciplina "não é dogma" em nada muda as obrigações que o católico tem para com ela.
E a segunda confusão do Reinaldo é sobre a posição que o católico deve tomar frente a uma exposição da Igreja sobre matéria não-irreformável em si mesma. Já vimos que há uma diferença grande entre uma matéria magisterial não-infalível (e que, portanto, só não obriga a Fé por, digamos, insuficiência do ato promulgativo do Magistério da Igreja) e uma matéria disciplinar (que é, em si mesma, não infalível e reformável). Acontece que em nenhum dos dois casos o católico tem o dever de sair debatendo sobre ele. Isso é um nonsense sem tamanhos. Nenhum católico tem o "dever de debater" a existência do Limbo [embora seja interessante que os teólogos o façam; todavia, nem estes estão obrigados a fazê-lo]. Nenhum católico tem o "dever de debater" a idade de 75 anos em que os bispos precisam apresentar o seu pedido de renúncia à Diocese que governam. E nenhum católico tem o "dever de debater" o celibato sacerdotal.
Na verdade, o católico somente pode (o que é bem diferente de deve) debater o celibato sacerdotal. Mas, para fazê-lo, ele precisa ter pelo menos três coisas, e os posts do Reinaldo Azevedo falham em todas elas.
A primeira coisa que se exige de um católico que queira debater uma matéria disciplinar da Igreja é o "sentir" com a Igreja, é a docilidade com a qual se deve submeter à autoridade de Governo da Igreja, ainda que não se concorde integralmente. E, ainda este ano, o Papa Bento XVI, gloriosamente reinante, na sua exortação apostólica pós-sinodal "Sacramentum Caritatis", reafirmou o valor do celibato para os sacerdotes da Igreja Latina:
"Em sintonia com a grande tradição eclesial, com o Concílio Vaticano II e com os Sumos Pontífices meus predecessores, corroboro a beleza e a importância duma vida sacerdotal vivida no celibato como sinal expressivo de dedicação total e exclusiva a Cristo, à Igreja e ao Reino de Deus, e, consequentemente, confirmo a sua obrigatoriedade para a tradição latina." (SC 24)
Sinceramente, contradizer abertamente uma posição do Sumo Pontífice e querer "debater" uma coisa cuja obrigatoriedade foi reafirmada há menos de um ano por aquele que detém a autoridade máxima para obrigar ou desobrigar as questões disciplinares da Igreja Católica é o cúmulo da teimosia. É uma tremenda extrapolação dos direitos que o católico tem em relação àquilo que não é dogmático. O Papa dizer uma coisa, e então um católico procurar "debater" em defesa da posição contrária, para o Papa reafirmar a mesma coisa, e o tal católico insistir ainda no contrário, e assim ad aeternum, não é direito de católico nenhum. Isso é um completo desrespeito às autoridades da Igreja, que são quem, em última instância, detêm a autoridade final para responder a essas questões.
A segunda coisa exigida para se debater questões disciplinares é prudência. Ninguém deve chegar defendendo a sua posição - contrária à posição vigente - como se fosse a última coca-cola do deserto, a única solução para os problemas que a Igreja atravessa. Ao contrário, deve-se expôr as próprias convicções de maneira humilde, sabendo das próprias limitações e com sinceras disposições de acatar às determinações das autoridades da Igreja, confiante na assistência prudencial do Espírito Santo que, embora não com infalibilidade certa, todavia sempre guiará a Igreja no tocante à salvação das almas. Ninguém deve utilizar os meios de comunicação em massa para tratar de assuntos internos da Igreja e que somente dentro da Igreja podem ser resolvidos, se quiser realmente que eles sejam levados a sério - e não utilizados como instrumento de descrédito da Igreja e de munição para os inimigos de Cristo. Ninguém deve achar que provocar clamor popular é uma maneira correta de se provocar mudanças na Igreja - afinal, ao contrário do que se imagina hoje em dia, todo poder vem de Deus, e não do povo.
E, finalmente, a terceira coisa exigida para se debater questões disciplinares é a qualidade dos argumentos. E é esta a parte mais lamentável dos posts do Reinaldo Azevedo: parece até que ele saiu copiando-e-colando bobagens de sites protestantes. Francamente! Entre um sem-número de outras bobagens, pode-se ler no blog supracitado:
"Um tanto provocativo, lembrei que São Pedro tinha sogra. Aí me dizem: “Mas era viúvo”. Era? Onde está escrito? Em que passagem?" (i)
O primeiro erro aqui é a mentalidade protestante: "onde está escrito?". Oras, essa visão reducionista do Evangelho aos Quatro Livros canônicos é o que pode haver de mais estranho ao catolicismo.
O segundo erro aqui é a visão simplista da questão: não faz nenhuma diferença se Pedro era casado ou não. O que interessa, no Novo Testamento, é que está mais do que evidente a superioridade da vida una ou indivisa - que, aliás, foi o estado de vida escolhido por Cristo. Pedro ter sido casado ou não é um detalhe de pouca importância [tanto que os Evangelhos silenciam completamente sobre a mulher de Pedro], e que não pode ser usado como critério para desabonar o celibato sacerdotal. É evidente que há passagens que enaltecem o casamento - claro, pois o casamento é uma coisa boa! -, mas é igualmente evidente que não há nenhuma passagem escriturística que permita ter dúvidas sobre a perfeição maior do celibato. E a Igreja tem o direito de exigir perfeição dos que querem ser sacerdotes do Deus Altíssimo - a mais perfeita vocação à qual é chamado o homem.
"Não é preciso ser muito agudo para perceber que os padres vivem uma realidade que absolutamente os aparta da vida real." (ii)
O que é a "vida real", para Reinaldo Azevedo? Vida real é sexo? As pessoas que não praticam sexo vivem uma, digamos, "vida virtual"? Mais: as pessoas precisam praticar sexo para viverem "realmente" a sua vida? Não é preciso ser muito perspicaz para enxergar a insensatez dessa crítica velada.
Até se entende que um católico em particular não se sinta atraído por um estado específico de vida - no caso, o celibato. Mas, daí a debochar dele, daí a dizer que quem o abraça vive "aparta[do] da vida real", daí a dizer que o celibato é "fonte de perturbação e de desmoralização" (ii), daí a dizer que ele é "um óbvio mal-estar" (ii), vai uma grande distância. Que o autor não transforme a sua opinião pessoal sobre o celibato na verdade absoluta sobre ele!
"O celibato sacerdotal na Igreja Católica foi instituído no ano 390" (iii)
No ano 390 aconteceu o Concílio de Cartago, que prescreveu o celibato para todos os que servem os Santos Mistérios. Mas isso não quer dizer que ele só tenha sido "instituído no ano 390"! Então a Imaculada Conceição da Virgem, para ficar só num exemplo, foi instituída somente no século XIX? É de espantar a ignorância do articulista!
Em particular, o primeiro Concílio de Nicéia já proibia os cléricos de introduzirem mulheres em sua casa (Concílio de Nicéia [325], can. 3). E é o mesmo Concílio de Cartago citado que, ao prescrever o celibato, afirma estar se referindo a um costume que foi ensinado pelos Apóstolos e observado pelos Antigos - portanto, não tem nada a ver com uma "invenção" do século IV. Os católicos deveriam ter um mínimo de conhecimento sobre os Concílios da Igreja, antes de tecerem comentários despropositados com base neles.
E não é necessário entrar em mais detalhes. Todas as "argumentações" dos citados textos do Reinaldo Azevedo resumem-se a conclusões sem sentido e a interpretações pessoais de textos escriturísticos sobrepondo-se às interpretações que a Igreja sempre teve. No fundo, o problema central aqui é aquele que foi exposto no início: a idéia de que o católico "deve" debater aquilo que não é dogmático na Igreja dá ao católico, qualquer que seja ele, carta branca para discordar publicamente do que prescreve a Hierarquia Católica, baseado em nada que não seja a própria visão limitada e distorcida dos fatos - assim, ele está no estrito cumprimento do seu dever.
Esperamos que tenha ficado clara o quão perniciosa é essa mentalidade. E esperamos também que os católicos sejam mais cuidadosos quando forem se arvorar em especialistas de assuntos sobre os quais têm pouco ou nenhum conhecimento. Para encerrar, ficam as palavras do Santo Padre Paulo VI, na sua encíclica Sacerdotalis Caelibatus:
A verdadeira e profunda razão do celibato é, como já dissemos, a escolha duma relação pessoal mais íntima e completa com o mistério de Cristo e da Igreja, em prol da humanidade inteira. Nesta escolha há lugar, sem dúvida, para a expressão dos valores supremos e humanos no grau mais elevado. (SC 54).
Que a Virgem Castíssima nos conceda sempre santos sacerdotes, dispostos a tudo largar por Cristo - com a confiança de que os seus sacrifícios não serão em vão - e que sejam sinal verdadeiro de luz e de Salvação para os homens.
23 outubro, 2007
Poemas parnasianos
Ora, não parece estranho que uma escola literária inteira possa se resumir a meia dúzia de sonetos?! Fui acusado de "argumentum ad ignorantiam" - só porque eu não conhecia o que havia de bom no parnasianismo, afirmava assim com tanta petulância que não existia, nele, nada de bom.
Errei, é verdade. Dou a mão à palmatória. Hoje, pela manhã, um dos meus companheiros de mesa de ontem veio-me com um poema belíssimo, parnasiano, e que nem soneto é (!). O autor? Raimundo Correia. O poema? "Ser moça e bela ser". Segue abaixo: não liguem para as construções rebuscadas e os vocábulos escolhidos a dedo entre os menos usuais possíveis. É tributo pago à escola da época. Leiam até perceberem a imagem - belíssima! - pelo poeta utilizada:
Ser moça e bela ser
Ser moça e bela ser, por que é que lhe não basta?
Porque tudo o que tem de fresco e virgem gasta
E destrói? Porque atrás de uma vaga esperança
Fátua, aérea e fugaz, frenética se lança
A voar, a voar?...
Também a borboleta,
Mal rompe a ninfa, o estojo abrindo, ávida e inquieta,
As antenas agita, ensaia o vôo, adeja;
O finíssimo pó das asas espaneja;
Pouco habituada à luz, a luz logo a embriaga;
Bóia do sol na morna e rutilante vaga;
Em grandes doses bebe o azul; tonta, espairece
No éter; voa em redor, vai e vem; sobe e desce;
Torna a subir e torna a descer; e ora gira
Contra as correntes do ar, ora, incauta, se atira
Contra o tojo e os sarcais; nas puas lancinantes
Em pedaços faz logo às asas cintilantes;
Da tênue escama de ouro os resquícios mesquinhos
Presos lhe vão ficando à ponta dos espinhos;
Uma porção de si deixa por onde passa,
E, enquanto há vida ainda, esvoaça, esvoaça,
Como um leve papel solto à mercê do vento;
Pousa aqui, voa além, até vir o momento
Em que de todo, enfim, se rasga e dilacera.
ó borboleta, pára! ó mocidade, espera!
Notaram? Logo quando o li, não pude deixar de pensar comigo mesmo: que coisa mais... católica! A consciência de que a mocidade se estraga... a incompreensão, perguntando por que não basta aos jovens apenas serem jovens... a comparação magistral com a borboleta-bêbada que, "encantada" com a luz do sol, o azul do céu e as próprias asas, arrasta-se em um vôo vertiginoso que a machuca enquanto bate nos espinhos... e o brado desesperado à borboleta que "se rasga e dilacera" - pára! - colocado em paralelo com o brado feito à juventude que faz a mesma coisa: espera!
Sim, jovens... esperai! Não estragueis aquilo que tendes de melhor, voando "como um papel solto à mercê do vento", lançando-vos frenéticos e sôfregos à ruína, encantados com os vossos dons, com a vossa beleza... esperai, jovens! Tendes beleza e tendes encantos, mas não os estragueis com uma vida desordenada, com uma busca desesperada de prazeres e mais prazeres, como o mundo vos convida a fazer. Jovens, esperai! Valeis mais do que borboletas. Não fostes feitos para voar a esmo, na empolgação da descoberta do que sois. Não fostes criados para desperdiçardes o que tendes de bom nos espinhos do mundo, desgastando-vos com quem não tem nada para vos oferecer. Jovens... esperai! Não fostes criado para menos do que os altares.
... et introibo ad altare Dei,
ad Deum qui laetificat iuventutem meam.
Que seja este sempre o anseio de todos nós, jovens.
09 outubro, 2007
Sobre o padre Edwaldo Gomes
Padre Edwaldo, ao contrário desses seus "amigos", tem sido um exemplo de obediência e docilidade à correção fraterna que recebeu da parte da Santa Sé. Em nota oficial, publicada no jornal da Arquidiocese, o mesmo reconheceu publicamente ter errado e, humildemente, pediu perdão, dizendo aceitar as sanções vindas de Roma (carta de retratação + três meses de retiro espiritual) e reafirmando o seu amor e a sua fidelidade à Igreja Católica, a quem ele consagrou toda a sua vida.
Não houve, da parte de padre Edwaldo, o mínimo sinal de murmuração contra a Santa Sé ou contra a atitude do Arcebispo Dom José Cardoso. Alegro-me pelo exemplo que este sacerdote está dando ao povo de Recife, ao contrário de outros precedentes que, infelizmente, esta Arquidiocese possui.
Seria muitíssimo bom se esses "amigos do Padre Edwaldo" seguissem o exemplo de humildade e docilidade à Igreja que vem dando o sacerdote de quem se dizem "amigos", ao invés de agirem de maneira diametralmente oposta àquela que vem sendo adotada pelo pároco de Casa Forte, deste até mesmo antes da chegada da sanção vinda de Roma.
Em defesa de Dom José
A recente decisão da Congregação para a Doutrina da Fé de punir o Cônego Edwaldo Gomes, pároco de Casa Forte, por ter o mesmo permitido que um bispo anglicano concelebrasse na sua missa de comemoração de cinqüenta anos de sacerdócio, realizada em dezembro passado, teve uma enorme repercussão na imprensa local.
Na totalidade dos casos, tem-se enfatizado apenas um dos lados da questão: o lado de pessoas que, com boas intenções ou não, têm assumido a defesa do Cônego Edwaldo de uma maneira apaixonada e irracional, e que terminam, por isso, lançando suspeitas ou até mesmos ataques diretos à pessoa do Arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho.
Este artigo vem oferecer um contraponto à situação atual e pretende mostrar que, sob o ponto de vista católico, a atitude do Arcebispo é digna de louvor e que, ao contrário, são passíveis de censura e repreensão as manifestações irresponsáveis de apoio ao padre Edwaldo que vêm sendo veiculadas na imprensa e em outros meios de comunicação.
A atual campanha de mobilização em favor do pároco de Casa Forte tem provocado confusão entre os fiéis católicos da Arquidiocese. Possuindo um conteúdo difamatório que vai desde insinuações levianas até acusações diretas, tal campanha tenciona dividir o povo católico e coloca-lo contra o Arcebispo. Considerando a posição eminente que ocupa a figura do Bispo Católico dentro da Igreja Católica e a necessidade – universalmente afirmada pelo catolicismo – de se manter em união com ele para que se esteja em comunhão perfeita com a própria Igreja, é urgente que sejam escritas algumas linhas, imbuídas de verdadeiro espírito católico, sobre a atual situação que atravessa a nossa Arquidiocese.
Em primeiro lugar, é necessário ter bem claro que, na Igreja, existem normas que devem ser seguidas, de maneira especial pelos bispos. Há uma Instrução “Sobre algumas coisas que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia”, chamada “Redemptionis Sacramentum”, e que é normativa para a Igreja. Nesta instrução, lê-se:
“Os graviora delicta (atos graves) contra a santidade do sacratíssimo Sacramento e Sacrifício da Eucaristia e os sacramentos, são tratados de acordo com as «Normas sobre os graviora delicta, reservados à Congregação para a Doutrina da Fé», isto é:
[...]
c) concelebração proibida do Sacrifício eucarístico juntamente com ministros de Comunidades eclesiais que não tenham sucessão apostólica, nem reconhecida dignidade sacramental da ordenação sacerdotal;” (RS 172)
“Os delitos contra a fé e também os graviora delicta (atos graves) cometidos na celebração da Eucaristia e nos outros sacramentos, sejam comunicados sem demora à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual «examinará e, em caso necessário, procederá a declarar ou impor sanções canônicas do direito, tanto comum como próprio».” (RS 179)
Que o Cônego Edwaldo Gomes concelebrou a sua missa de comemoração pelo jubileu de ouro sacerdotal com um bispo anglicano é fato público, tendo sido inclusive admitido pelo próprio padre. Portanto, houve um ato grave, caracterizado como tal por uma Instrução que é – repetimos – normativa para a Igreja. Ainda segundo esta mesma instrução, tais atos devem ser “comunicados sem demora à Congregação para a Doutrina da Fé” pelos bispos. E foi exatamente isso que, à risca, fez o senhor Arcebispo.
Por acaso pode um bispo ser criticado por fazer, exatamente, aquilo que ele é instruído a fazer pela Igreja à qual pertence e à qual prometeu servir? Como dissemos anteriormente, as manifestações com as quais os nossos meios de comunicação estão sendo bombardeados possuem um caráter exageradamente passional, que as impede de serem racionais.
Isto é o cerne de toda a questão. Houve perseguição, intolerância, implicância, atitude anticristã ou algum outro substantivo semelhante por parte de Dom José Cardoso Sobrinho? Como vimos, a resposta é: absolutamente não. Dom José fez somente o que tinha obrigação de fazer, no desempenho das suas atribuições enquanto Arcebispo Arquidiocesano.
Isso posto, analisemos as demais acusações. Diz-se que o assunto poderia ter sido resolvido internamente, sem a necessidade de se acionar os órgãos do Vaticano, não fosse a falta de diplomacia do Arcebispo. Já vimos que tal assertiva não é válida, posto que a Redemptionis Sacramentum pede para que os atos graves ocorridos nas dioceses sejam reportados ao Vaticano; e não há falta de diplomacia em obedecer a uma norma da Igreja.
Diz-se ainda que, à referida missa na qual houve a concelebração, estavam presentes outros padres, bispos e vigários-gerais, de modo o fato de Dom José ter denunciado apenas o padre Edwaldo caracterizava perseguição. Contra a isso, é preciso objetar duas coisas. Primeiro: ninguém conhece o teor do comunicado que foi feito ao Vaticano e, por isso, ninguém pode dizer que estavam faltando ou sobrando acusados. Segundo: é evidente que a responsabilidade de um padre que organiza uma celebração é maior do que a responsabilidade de um padre (ou bispo ou vigário-geral) que é apenas convidado – este último, aliás, não teria como saber, a princípio, que haveria uma transgressão às normas da Igreja na missa para a qual ele foi convidado, e talvez não tivesse como saber nem mesmo no dia da celebração, posto ser bastante provável que nem todos os sacerdotes concelebrantes se conhecessem mutuamente e um ministro anglicano veste-se como um sacerdote católico, sendo, portanto, bastante difícil identifica-lo apenas exteriormente. Em suma: até mesmo o bom senso nos diz que não pode haver igualdade de punições para responsabilidades distintas e, destarte, as queixas dos detratores do Arcebispo são, mais uma vez, destituídas de fundamento.
Invoca-se, várias vezes, a “unidade ecumênica” como justificativa para a atitude do padre Edwaldo. Ora, é preciso notar que há diretrizes claras da Igreja sobre este assunto e, nelas, não consta a “concelebração” como um meio válido para se fazer ecumenismo – ao contrário, como vimos, a mesma é expressamente proibida. Citemos, como exemplo, os funerais do Papa João Paulo II, que foram amplamente televisionados - havia diversos representantes de diversas religiões, mas com nenhum deles nenhum cardeal "concelebrou" missa alguma. Isto é o verdadeiro ecumenismo. Se, no caso em questão, o cônego Edwaldo tivesse convidado amigos seus, não-católicos, para assistirem à sua missa, não haveria problema algum. O problema foi ter havido uma concelebração, o que é - como vimos - proibido pela Igreja.
Registre-se, outrossim, uma coisa a mais: é curioso que as mesmas pessoas a defenderem a “unidade” estejam promovendo uma tal desunião dentro da própria Igreja à qual pertencem! Quando os atos contradizem as palavras, que valor pode-se atribuir a elas? Se há um verdadeiro apreço pela unidade (e não uma atitude passional em defesa de algo que se considera injusto sem nem mesmo o ter analisado de maneira objetiva), por que ele não impede as manifestações desagregadoras de serem publicadas às pencas nos meios de comunicação sociais da nossa Arquidiocese?
Analisando assim os atuais acontecimentos, à luz da doutrina católica e da boa razão, chegamos inevitavelmente à conclusão de que a atitude do senhor Arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, foi uma atitude exemplar de zelo e amor à Igreja Católica, pela qual os verdadeiros fiéis devem lhe ser gratos. Os bispos são sucessores dos Apóstolos e, em suas dioceses, detêm autoridade que deve ser reconhecida pelos católicos que estão sob a sua jurisdição. Atitudes irresponsáveis como as que nós vimos nos últimos dias causam um grande mal à Igreja e, portanto, devem ser vigorosamente rechaçadas por todos os católicos que quiserem continuar sendo dignos deste nome.
Subscrevemos este artigo, em nome de muitos outros fiéis da Arquidiocese que, conosco, compartilham os mesmos sentimentos de indignação contra a campanha difamatória, bem como de apoio às atitudes de Dom José, injustamente perseguido por algumas pessoas que, conscientemente ou não, militam contra a Igreja Católica e procuram despoja-la dos sentimentos de respeito e veneração que todos nós, fiéis católicos devemos ter para com o nosso Bispo, sucessor dos Apóstolos, e a quem devemos estar unidos, “a fim de estarmos submetidos a Deus” (Santo Inácio de Antioquia, século II da Era Cristã).
Jorge Ferraz, católico, paroquiano da Torre – jorgeferraz@gmail.com
Claudemir Júnior, católico, paroquiano da Imbiribeira – jcpacheco.junior@gmail.com
25 setembro, 2007
Sobre prazeres humanos
As objeções são muitas e variadas. Desde a desqualificação gratuita ("ah, mas isso é coisa que já está ultrapassada") até alguns argumentos mais elaborados ("se o prazer fosse errado, Deus não o teria criado") que merecem ser analisados. Isto será feito aqui.
Antes de mais nada, o fato de alguns ensinamentos da Igreja não encontrarem reflexo nas sociedades atuais só mostram que as sociedades atuais são depravadas, e nada mais do que isso. O critério para se discernir o certo do errado não pode ser a voz da maioria nem o costume [no caso moderno, artificialmente forjado e imposto pelos inimigos da Igreja; mas isso foge ao escopo deste post] generalizado dos povos, e sim a reta Razão. Ademais, a Igreja, sendo de instituição divina, não tem o objetivo de "perscrutar" os povos e "haurir" deles a Verdade, mas, ao contrário, é depositária da Verdade que veio de Deus e tem a missão de ensiná-la a todos os povos. Assim sendo, o fato de alguns valores defendidos pela Igreja estarem "fora de moda" é absolutamente irrelevante.
Passemos a objeções mais interessantes. "Se o prazer fosse um mal, Deus não o teria criado". Ora, eis aí uma verdade evidente! Deus não teria criado o prazer se este fosse um mal, porque tudo o que Deus cria é bom; por isso, a conclusão lógica necessária é a de que o prazer, posto que indubitavelmente foi criado por Deus, é um bem. Com isso, estão de acordo a Doutrina Perene e os princípios modernos.
Todavia, do fato do prazer ser um bem, não segue que se possa fruir dele sem medidas. Todos os bens criados, pela própria natureza de "criados", são relativos. O único Bem Absoluto é Deus, e é este Bem Supremo o fim último do homem. A partir do momento em que um prazer momentâneo "cega" o homem de tal maneira que o faz perder de vista o Bem Absoluto que é a única coisa capaz de o saciar completamente, a Igreja tem o direito e o dever de gritar bem alto que esta pessoa está enganada e que não deve agir dessa maneira, da mesma forma que se diz para uma criança que ela não deve se empanturrar de doces antes do almoço. "Ah, mas mamãe não devia fazer doces, então, se fosse errado comer doces" - poderia argüir esta criança. Acontece que não é errado comer doces. Errado é trocar o almoço pelos doces. De maneira análoga, não é errado usufruir dos prazeres criados por Deus - errado é trocar Deus por esses prazeres. E é exatamente isto que prega o mundo moderno.
"Mas ninguém é obrigado a trocar Deus pelos prazeres; pode-se ter as duas coisas". A isso, deve-se responder: não. Não se pode ter as duas coisas, e é o próprio Jesus Cristo que o afirma: "Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à riqueza" (Mt VI, 24).
"Ah, mas então, as duas coisas são opostas?" A resposta é "não", de novo. Deus e os prazeres não são opostos, como Deus e a riqueza também não o são. Se fossem opostos, o prazer não seria um bem - e nós já vimos que o contrário disto é que é verdade. Acontece que é característico da natureza humana decaída "inverter a ordem" das coisas, e desejar com avidez aquilo com relação ao qual devia ter só um desejo relativo, ao mesmo passo em que age com tibieza (e, às vezes, até com indiferença!) em relação aos desejos importantes que deveria nutrir. Repetimos: Deus é o único Bem Absoluto, é a única coisa que devemos desejar absolutamente. Os prazeres humanos, se desordenados, levam o homem a esquecer isso. A busca desordenada de prazeres leva o homem a se tornar escravo do prazer. E o prazer não deve ser servido; só a Deus se deve servir.
A posição católica resplandece, pois, com toda a sua coerência. Há variedade de bens no mundo, mas só Um deles (é o que mais) importa, que é o Bem Supremo, o Bem Incriado, Deus, autor e fonte de todos os bens. Pode-se, certamente, usufruir dos bens criados, mas dentro dos limites nos quais eles foram criados: retirá-los desses limites seria dizer que Deus errou ao fazê-los desta maneira, e que deveria Ele tê-los feito de algum outro jeito no qual "Ele não pensou". E isso é, insofismavelmente, afastar-se de Deus, colocando-se acima d'Ele e se arrogando o direito de julgar a Sua obra.
Que a Virgem Maria, Sede da Sabedoria, possa nos conseguir, do Alto, as luzes do Espírito Santo, para que entendamos com clareza essa questão sobre a qual os inimigos da Igreja procuram lançar tantas sombras, impedindo-a de surgir com todo o seu esplendor. E que Ela nos dê a força necessária para sermos "sal da terra e luz do mundo", nesse mundo tão sombrio e tão ausente de gosto.
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco!
Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
Santa Maria, Mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores,
agora e na hora de nossa morte.
Amém.
17 setembro, 2007
Marchinhas de Carnaval [fora de época...]
a gente brinca, escondendo a dor;
e a fantasia do meu ideal
é você, meu amor!"
Isso é uma música de carnaval. Eis uma festa que sempre exerceu em mim um fascínio espetacular! Ela sempre me pareceu ter algo de bastante paradoxal. De fato, se existe um tema recorrente nas marchinhas de carnaval é essa dicotomia entre a felicidade e a tristeza, entre o sonho bom e a dura realidade. O carnaval é uma festa que subsiste na tensão entre o Sábado de Zé Pereira e a Quarta-Feira de Cinzas; entre a felicidade sem limites momentânea que ele oferece, e a dura consciência de que o tempo caminha, inexorável, rumo às cinzas da quarta-feira. A sua alegria é meticulosamente delimitada no tempo.
A euforia do carnaval é permeada pela tristeza da quarta-feira de cinzas! Isso está presente nas músicas que são características desse período; quando não há referência explícita ao fim do Carnaval ("É de fazer chorar / Quando o dia amanhece / e obriga o frevo a parar... / Oh, Quarta-Feira ingrata, / chega tão depressa / só pra contrariar!"), há as histórias dos amores impossíveis de Colombinas e Arlequins ("Quanto riso, ah, quanta alegria / - mais de mil palhaços no salão! / Arlequim está chorando pelo amor da Colombina / no meio da multidão..."), ou ainda de paixões passageiras ("Mas é carnaval, / não me diga mais quem é você... / Amanhã tudo volta ao normal!")... não importa. As marchinhas de Carnaval, para serem boas, precisam ser tristes, porque o carnaval tem, intrinsecamente, a tristeza de ser passageiro.
E é precisamente este paradoxo do carnaval - a tristeza na alegria - que sempre me encantou. Os prazeres do mundo são tentadores, bem o sabemos; mas vejam que espécie estranha de tentação! Um prazer que se diz expressamente passageiro... uma alegria que carrega, em si, a tristeza da própria efemeridade. Quem é que vai se enganar, tomando como absoluto um prazer que se define, repetidamente, como limitado?
Mas, se olharmos um pouco melhor, veremos aí a malícia da tentação! Pois, note-se bem: uma coisa é escolher algo mau, mas que está "revestido" de uma roupagem boa, capaz de enganar. E outra coisa, bem diferente e bem pior, é gostar do algo mau sabendo ser ele mau, despido daquilo que pode enganar um incauto. Coisa lamentável é entregar-se a um bem menor sem avaliar corretamente as suas (reduzidas) dimensões; coisa muito mais lamentável é entregar-se a este bem menor conhecendo exatamente o seu parco tamanho! Ah, o carnaval pode parecer bem pouco enganoso, para quem gosta de escutar marchinhas... mas como é pior o abismo que ele abre, como é tão mais desgraçado quem nele cai, precisamente por causa da falta de engano... precisamente pela verdade revelada nua e crua!
E esta visão de mundo carnavalesca é o extremo oposto da visão de mundo cristã. Os católicos vivem num "vale de lágrimas", num mundo de sofrimentos, sabendo todavia que esta vida é curta e que, sofrendo bem neste mundo, poderemos gozar um dia da Bem-Aventurança celeste que não tem fim. O carnaval é um "vale de prazeres", onde se deve aproveitar bem a festa que é curta, porque depois voltará a tristeza do quotidiano...
A festa curta do carnaval, que deve ser aproveitada, porque o futuro é só tristeza... As lágrimas do dia-a-dia enquanto caminhamos nesta curta vida, que devem ser choradas, porque o futuro é a Glória da Vida Eterna! Uma perfeita correspondência antitética! Eis aí a tentação de Momo!
"Vê, Colombinas azuis a sorrir, lá-láiá...
Vê, serpentinas na luz reluzir...
Vê os confetes do pranto no olhar
desses palhaços dançando no ar!
Vê, multidão colorida a gritar, lá-laiá...
Vê, turbilhão desta vida passar...
Vê os delírios dos gritos de amor
nesta orgia de sol e de dor!"
Se nos for permitido tomar catequese do carnaval, que peguemos (como um exemplar da sua filosofia) esta música, e a entendamos do jeito certo: não gastemos os nossos dias vendo o turbilhão desta vida passar! Sim, a vida passa depressa, como um turbilhão - como nos ensina a Doutrina da Igreja - e importa que cuidemos com zelo do pouco tempo que nos é dado, a fim de não o vermos simplesmente passar! Como nos diz o finalzinho daquele soneto de Frei Antônio das Chagas:
"Ó vós, que tendes tempo sem ter conta,
não gasteis vosso tempo em passatempo!
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta.
Pois aqueles que, sem conta, gastam o tempo,
quando o tempo chegar de prestar conta,
chorarão, como eu, o não ter tempo."
Permita-nos Deus cuidar bem do nosso tempo; para que não aconteça de, arrastados pelo turbilhão da vida, chorarmos depois o ter ela passado tão depressa!
08 setembro, 2007
O Grito dos Excluídos
É o que reza a página principal do Grito dos Excluídos. Posto assim, parece ser uma coisa muito bonita. Mas acontece que é preciso destrinchar essa definição.
Por "uma grande manifestação popular", deve-se entender que é a movimentação de um grande número de pessoas, orquestrada por organizações como o "Movimento dos Sem-Terra" e a "Marcha Mundial das Mulheres", uma ação do movimento feminista internacional que defende, entre outras sandices, o aborto. Tudo isto está lá, no site do Grito supracitado, na parte de "parceiros".
Por "denunciar", deve-se entender "apresentar as nossas reivindicações". Quais reivindicações?
"Todas as situações de exclusão". Por isso, pode-se entender qualquer coisa. Em particular: se uma mulher quer abortar e não pode fazê-lo [já que isso é crime], isso configura, na lógica distorcida do "Grito dos Excluídos", uma "situação de exclusão".
Por "assinalar as possíveis saídas e alternativas", deve-se entender "subverter a ordem e fazer pressão a fim de que as nossas reivindicações sejam atendidas". Quanto ao que nos interessa: se, para isso, os movimentos abortistas precisam fazer lobby a fim de legalizar o assassinato de crianças inocentes - que o façam. Eis, pois, o "Grito dos Excluídos"!
Trocando em miúdos: entre tantas outras coisas (que não vale a pena entrar em detalhes agora, porque só isto já é suficiente para desmascarar o lobo), o Grito é um movimento organizado por Organizações internacionais com o objetivo de promover o aborto no Brasil. Eis, clara e inegável, a verdade dos fatos, tal como pode ser obtida simplesmente seguindo um ou dois links a partir da página principal do Grito dos Excluídos!
Os verdadeiros excluídos são as crianças covardemente assassinadas no ventre de suas próprias mães. Estes são os que verdadeiramente não têm voz, e que não podem fazer nada em sua própria defesa. Estes, o máximo que podem dar é um "Grito Silencioso" (vide música da "Comunidade Santa Clara"). Que este grito chegue aos ouvidos d'Aquele para Quem nada é oculto; e que Nossa Senhora Aparecida livre, da maldição do aborto, esta Terra de Santa Cruz.
Kyrie, eleison!
17 julho, 2006
“O que tens na mão?” - por Gustavo Souza
É interessante perceber que Deus sempre usa aquilo que está em nós para cumprir os seus desígnios. No Episódio da sarça ardente (Ex 3.4, 1-17) essa realidade fica bem evidente. Primeiro Deus usou a curiosidade de Moisés: Quando ele apascentava o rebanho do sogro, vê uma sarça ardendo sem se consumir; algo como uma chama inextinguível, uma labareda que jamais se apagava, nem arrefecia. Moisés então diz: “Vou me aproximar para contemplar esse extraordinário espetáculo, e saber por que a sarça não se consome” (Ex 3,3).O extraordinário atraiu Moisés ao Extraordinário; ele iria conhecer não só os Mandamentos de Deus, mas o próprio Deus dos Mandamentos. Entretanto ser atraído pelo extraordinário espetáculo é particularmente perigoso porque se corre o risco de nos tornarmos superficiais. De parar no fenômeno e não enxergarmos o Autor do fenômeno. Corremos o risco de não perceber Deus nas coisas simples, no ordinário. É, aliás, uma mania antiga que nós temos: achamos que Deus está no fogo ardente, no vento impetuoso e nos terremotos, e esquecemo-nos de que ele se encontra na suavidade da brisa (I Rs 19,11-12). Mas ainda assim, correndo todos os riscos, a primeira “isca” que Deus usou para fisgar Moisés foi a curiosidade.
Depois Deus usou o nome de Moisés. Moisés significa saído das águas. Chamando-o pelo nome Deus mostra que o conhece, que quer cativá-lo. Deus sabia quem era Moisés e mesmo assim o escolheu.
Deus usou também a disponibilidade de Moisés. No momento em que Moisés mostra interesse, se aproxima, é então que o Senhor se lhe revela. Pois quando Iahweh o chama pelo nome a resposta de Moisés é a que aparece ao longo de toda a Sagrada Escritura na boca dos que servem a Deus de modo autêntico: Eis-me aqui! Lembremos que Deus usou a disponibilidade de Maria para cumprir seu projeto de salvação. A disponibilidade é uma arma muito poderosa nas mãos de Deus. Em certa medida, podemos dizer que sem ela não há redenção.
Moisés então reclama que não tem o dom da palavra. E Deus usou Aarão para cumprir sua vontade. Daquela hora em diante, disse o Senhor, Aarão seria para Moisés uma boca e Moisés lhe serviria de Deus. (Ex 4,16). Muitas vezes somos “ricos demais”, a ponto de nos tornarmos cegos e não percebemos que o irmão – quem quer que seja ele - pode ser um canal da graça de Deus para mim. Muitas vezes o orgulho nos impede de enxergar que Deus não depende de nós. E que, se Ele não me usar para fazer determinada coisa, usará outra pessoa. Mas os seus projetos sempre se cumprem.
Mas o ápice dessa pedagogia divina (de usar o que esta em nós) acontece quando o Senhor pronuncia a seguinte frase: “Que tens na mão?” Moisés responde: “uma vara”. E Deus usou a vara de Moisés para realizar prodígios diante do próprio Moisés, do Faraó e de todo o povo de Israel. Semelhante pergunta Jesus fez aos apóstolos quando realizou a primeira multiplicação dos pães.(Mc 6,38). Jesus usou o que tinham e alimentou mais de 5 mil homens sem contar mulheres e crianças. Mas, hoje me dia, já não somos crianças generosas como aquela que deu ao Senhor os cinco pães e os dois peixes para que Ele os multiplicasse. Depois de ressuscitado Cristo também pergunta aos apóstolos o que eles tinham para comer. E Deus usa a comida que eles lhe oferecem para provar que está vivo, ressuscitado, e que não é um fantasma. Comendo com eles Jesus mostra que é o mesmo ontem, hoje e sempre.
Na verdade tudo isso faz parte de uma “técnica” de Deus para nos conquistar. A dominicana de Sena nos ensina: “Criei-vos sem vossa colaboração; não pedistes para existir; mas sem vosso concurso não vos salvarei”.(Santa Catarina de Sena, O Diálogo, 36.2). Isso não é uma necessidade, mas um desejo de Deus. Nos apenas participamos das realizações de Deus.
Um dos grandes problemas do mundo moderno é que temos negado a Deus aquilo que temos. Não temos dado ao Senhor o que é d’Ele. Temos tirado as ferramentas de Deus e dado as costas para a sua vontade. Quantos de nós andamos escondendo aquilo que temos, como aquele servo mau e preguiçoso que enterrou seu talento (Mt 25,26)? Quantos médicos cristãos há que nunca deram uma hora de consulta para o Senhor? Quanto advogados nunca lutaram para que fosse feita justiça aos pobres? Quantos professores, contadores, músicos, psicólogos, pedagogos, dentistas, administradores, pedreiros, encanadores, que nunca colocaram ao serviço de Deus os seus dons, as suas profissões? Quantos há que moram nas ruas sem que lhes ofereçamos um pouco do conforto que temos? Quantos há que passam fome e não participam dos nossos rodízios de pizza, de carne ou do que quer que seja? Quantos sedentos há que dariam tudo por um pouco daquela coca-cola que bebemos mesmo sem ter sede, apenas por vício? Quantos há que passam frio enquanto nós dormimos sob nossos edredons?
Dar a Deus aquilo que temos e permitir que Ele use o que está em nós não é fruto da nossa generosidade. Simplesmente porque nós somos egoístas e em nós não há nenhum vestígio de generosidade. Ser caridoso e doar-se é apenas gratidão. É retribuir e partilhar, com o próximo, tudo o que temos nas mãos, tudo aquilo que Deus nos deu.
O que tens na mão?(Ex 4,2). Que essa pergunta possa ecoar em nós e que ela nos faça repensar no nosso serviço e na responsabilidade que temos de usar os talentos que recebemos para a glória de Deus e salvação das almas.
29 maio, 2006
A Guerra pela Verdade
Não é novidade. O próprio Cristo já nos adverte:
"Se me perseguiram, também vos hão de perseguir". (Jo 15, 20b)
Se, pois, Aquele por quem os Céus e a Terra foram criados não foi poupado das calúnias e das zombarias, por que é que nós, miseráveis e pecadores, esperaríamos assim o ser? As palavras do Evangelho são claras: Cristo foi perseguido. Assim, também os cristãos foram, são e sempre serão perseguidos.
Foi assim desde a época do Império Romano, quando os cristão eram acusados de toda sorte de atrocidades, de canibalismo (distorção cretina da Eucaristia, diante da qual resisto a conceder o beneplácito da ignorância) e de assassínio ritual (coisa para a qual não consigo encontrar justificativa - talvez o Batismo, pelo qual as pessoas eram sepultadas com Cristo?), etc. Diante dos romanos, Tertuliano[1] já se defendia:
"Monstros de maldade, somos acusados de realizar um rito sagrado no qual imolamos uma criancinha e então a comemos, e no qual, após o banquete, praticamos incesto, e os cães, nossos alcoviteiros, pois não, apagam as luzes para na imoralidade da escuridão nos entregarmos a nossas ímpias luxurias!
Muitas pessoas já disseram isso antes, e creio que até eu já o tenha escrito algures, mas nunca é demais repetir: a Verdade gera o ódio. Dos maus. É apanágio da Verdade provocar o amor dos bons e o ódio dos maus. Este é o Seu privilégio, e a Sua honra. A Verdade é dura, e une e separa. Une ao Seu redor os que A amam - os católicos, organizados na Verdadeira Igreja - e separa destes os que A detestam - os inimigos da Igreja, a Anti-Igreja, a Sinagoga de Satanás, a Cidade dos Homens. O próprio Tertuliano já o dizia: << A Verdade e a aversão à Verdade vieram ao mundo juntas >> (op. cit, cap. VII).
O fato - nunca é demais repetir - é que o motor da História é a luta dos servos de Deus contra os servos de Satanás, da Cidade de Deus contra a cidade dos homens. Santo Agostinho falava sobre essas duas cidades, dizendo que do amor a si próprio até o desprezo de Deus nasce a Cidade dos Homens, e do amor a Deus até o desprezo de si próprio nasce a Cidade de Deus. Esta, esforça-se para glorificar a Deus e salvar almas. Aquela, procura incessantemente ofender a Deus e levar as almas à perdição. É uma verdadeira guerra, a mais importante de todas as guerras, pois o que está em jogo é a própria razão de ser da Existência, é o fim último da Criação, é a Glória de Deus e a salvação das almas.
E, se estamos numa Guerra, é mister combatermos. A Igreja, peregrina na terra, é chamada de Igreja Militante. Militante, por quê? Porque os católicos são soldados de Cristo, com a obrigação de, sempre alerta, defenderem o Bem e a Verdade, Deus e a Igreja, que diuturnamente são atacados por seus inimigos. Perseguições, sempre houve e sempre as vai haver. Mas importa que, ao lado delas, haja os defensores da Verdade; importa que os católicos não sejam omissos, e não capitulem diante dos ataques que lhes são dirigidos com fúria. Importa que os soldados de Cristo estejam sempre em prontidão, para impôr resistência às ofensivas de onde quer que elas venham.
Hoje, os ataques são os mais variados possíveis. Os blasfemos genitais feitos com terços da Márcia X[2], o insidioso "habemus cocam" de Evandro Prado[3], o "Evangelho" de Judas, o "Código da Vinci", a crucificação de Madonna[4]... essas coisas "passam como vento", alguns podem dizer. Errado; elas até passam, mas deixam as suas marcas. Essas coisas, por pequenas que sejam, vão minando o senso de sagrado, enfraquecendo a fibra dos católicos, destruindo, às vezes inconscientemente, o tesouro da Fé. São coisas passageiras, sim, mas não como vento: como flechas envenenadas. Que machucam, e das quais precisamos nos defender.
Como podemos nos defender? Vittorio Messori propôs[5], há alguns meses, uma Liga anti-difamação. A proposta é excelente, mas falta operários. O que podemos fazer, em um nível menor? Ou melhor, o que devemos fazer? Devemos defender a Verdade, onde quer que Ela seja atacada: em casa, na Universidade, no Trabalho, onde quer que estejamos. Afinal, nos dizeres do próprio jornalista italiano, << a mentira, quando é demonstrável como tal, não tem direito à cidadania >>. Esta é uma verdade que anda muito esquecida em nossos dias, nos tempos hipócritas da "liberdade de expressão". Não há liberdade para a mentira; esta, deve ser combatida, de todas as formas possíveis e alcançáveis, de onde quer que ela venha.
Que a Virgem Mãe de Deus possa ser em nosso favor, e nos tornar cada vez mais melhores soldados de Cristo, soldados fiéis, conscientes do seu dever e dispostos a consumir a própria vida no serviço à Igreja, na defesa da Verdade, na construção do Reino de Deus.
Amém.
Referências:
[1] http://www.geocities.com/Athens/Aegean/8990/apolt0.htm
[2] http://marciax.uol.com.br/mxObra.asp?sMenu=2&sObra=26
[3] http://www.evandroprado.com.br/
[4] http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u60751.shtml
[5] http://www.cleofas.com.br/virtual/texto.php?doc=noticias&id=M0212
28 março, 2006
Alegria e Esperança =)
Não pretendo, aqui, fundamentar a minha opinião sobre a Reforma, nem explicar detalhadamente ambos os ritos e a diferença entre ambos, nem nada disso. Hoje, quero apenas aproveitar o Gaudete et Laetare do domingo último para expressar a minha felicidade e as minhas mais vivas esperanças em relação às mudanças que se anunciam no Horizonte da História, e que, lá longe, em Roma, já podem ser visualizadas.
Os órgãos de imprensa estão anunciando, abundantemente, esses dias, que o Papa está interessado no problema dos lefebvristas e do Missal de S. Pio V. Para quem não está por dentro da situação, uma rápida pincelada no quadro geral:
Lefebvristas são os membros da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fundada por D. Marcel Lefèbvre. São padres que não aceitaram o Concílio Vaticano II e o Missal promulgado por Paulo VI, tendo permanecido na celebração da Missa Antigo, no rito de S. Pio V. Hoje, encontram-se oficialmente em cisma, e em negociações com a Santa Sé para que possam voltar à comunhão da Igreja. Cabem muitas considerações aqui, mas não as vou fazer por hoje.
O Missal de S. Pio V é o missal que contém o rito da missa celebrado até cerca de quarenta anos atrás, antes da Reforma Litúrgica. Hoje em dia, só pode ser celebrado sob licença especial do Bispo local. Também aqui cabem muitas considerações, mas, como disse no início, não as vou fazer.
Pois muito bem: pelas notícias que me chegam, parece-me que Sua Santidade Bento XVI estaria pensando em um acordo de reconciliação com os padres da Fraternidade, e em uma liberação universal do Missal de S. Pio V. Se isso vier realmente a acontecer, teremos dois efeitos maravilhosos:
1- Todos os seminários da Fraternidade estarão a serviço de Roma. E (apesar de algumas questões sobre as quais não vale a pena entrar em detalhes agora) todos dizem que seus seminários são excelentes.
2- A Missa de São Pio V poderá ser celebrada livremente, sem a necessidade da licença do Bispo Local que, hoje em dia, é o maior entrave à popularização desse rito.
Esses efeitos, a meu ver, são maravilhosos porque:
1) A presença de bons seminários seria uma valorosa ajuda para elevar o péssimo nível dos sacerdotes que (com honrosas exceções) (des)orientam os católicos, nesses nossos dias difíceis.
2) A presença regular de missas celebradas segundo o rito antigo seria uma valorosa ajuda para resgatar o senso de sagrado que (novamente, com honrosas exceções) não existe nos católicos atuais.
As notícias são animadoras. O Pastoralis[1] noticia:
O Cardeal Francis Arinze, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, abordou, à tarde o tema da reforma litúrgica pós-conciliar e a utilização do Missal de São Pio V. Sobre este assunto se destacou o interesse do Pontífice em escutar o parecer dos cardeais sobre se o Missal, vigente até 1962, deveria receber um indulto universal; quer dizer, se poderá ser utilizado livremente na Igreja, sem necessidade de uma aprovação explícita do Bispo local, como atualmente requerem as normas.
O ZENIT[2] nos diz que, numa reunião na Quinta Feira última para discutir os grandes desafios que a Igreja enfrenta atualmente, foram colocados três temas de particular importância: a Igreja e o Islã, a questão dos bispos eméritos, e as negociações com a Fraternidade São Pio X.
De minha parte, fico feliz que as coisas estejam tomando este rumo. Ano passado, chateado com a nulidade dos meus esforços para que a Liturgia da Igreja fosse adequadamente celebrada na paróquia que frequento, escrevi (5 de agosto de 2005[3]), em tom de desabafo:
Estou cansado de missinhas animadazinhas, estou cansado de padres que parecem muito mais organizadores de encontros sociais que Sacerdotes do Deus Altíssimo, estou cansado de 'fiéis' que vão à missa para 'viver o amor de Cristo' e não para participar do Sacrifício do Filho de Deus! Será que sou só eu? Será que somente eu sinto vontade de poder assistir duas missas iguais, independente de quem seja o celebrante? Será que sou só eu que tenho dificuldade em enxergar, na Igreja, o Cristo Vítima e Sacerdote por detrás dos cantos protestantes no momento da consagração?
E terminei, em súplica, com o salmista:
"Voltai, ó Deus dos exércitos; olhai do alto céu, vede e vinde visitar a vinha.
Agora, vários meses depois, alegro-me sobremaneira em ver a minha prece - na época tão distante, e tão improvável! - ganhar traços de realização. Louvado seja Deus! E que rezemos, incessantemente, confiantemente, para que o Espírito Santo produza a autêntica renovação da Sua Igreja, para a maior glória de Deus e salvação das almas.
06 março, 2006
És pó, e pó te hás de tornar - por Gustavo Souza
“És pó, e pó te hás de tornar.”(Gen 3,19)
Na Quaresma, somos convidados a reconhecer esta verdade profunda que encontramos logo nas primeiras páginas da Sagrada Escritura. È um tempo de arrependimento e de conversão apropriado para aqueles que, reconhecendo-se longe do Senhor, desejam – como o Filho pródigo - regressar à Casa paterna, na qual há “pão com fartura”.(Lc 15,17)
A Igreja faz uma convocação geral, como nos tempos do profeta Joel (Jl 2,12-18), propondo a todos que se reconheçam pecadores, indignos da Misericórdia Divina, e se penitenciem praticando a oração, o jejum e a esmola. Não acho que seja necessário conceituar cada um destes. E acho igualmente desnecessário repetir os apelos que a Igreja faz e que a Palavra de Deus constantemente nos recorda. Prefiro partir para o oposto disso: gostaria de dizer o que não é oração; o que não é jejum, e o que não é esmola.
Tenho percebido que, hoje em dia, a oração - principalmente nos grupos de oração - não é mais diálogo, como propõe Santa Catarina de Sena, a Dominicana mais penititente que o mundo já conheceu. È como se rezar se resumisse a falar, falar e falar. Não há mais os momentos de escuta do Senhor. Não há mais a voz que ressoa no silêncio. O eco que se propaga na alma do homem. O louvor de hoje em dia, muitas vezes se assemelha ao balançar das folhas de uma árvore: não mexe na sua raiz, não a faz produzir frutos, é, simplesmente, resultado do vento que passa...
Temos feito orações mal feitas. Orações que não se comparam jamais àquelas feitas pelo Senhor! Pois Jesus não só rezava: Jesus rezava bem. Jesus rezava com confiança: “Pai eu te dou graças porque me ouviste” (Jo 11,41). Orava com fervor: “Então Jesus exultou de alegria e disse: Eu te louvo Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos”.(Lc 10,21) Rezava colocando acima de tudo a vontade de Deus: “Se queres, afasta de mim esse cálice”(Mt 26,39). Rezava com sinceridade: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Não rezava com a falsidade que muitas vezes nos faz dizer a Deus o “eu Te amo” mais vazio que alguém pode ter ouvido. Certamente Jesus não faria do terço um vomitar de palavras no ouvido de Nossa Senhora, como nós amiúde fazemos...
Aliás, faço aqui uma distinção conveniente e mui útil para que reconheçamos como é imperfeita a nossa oração: oração anestésica é diferente de oração transformadora! Oração anestésica é aquela que resolve meus problemas atuais. É aquela oração do tipo reboco, tapa-buraco. A oração transformadora, porém, tem efeitos profundos no nosso comportamento e mentalidade. Mas, não gostamos dela porque ela produz resultados a longo prazo e nós somos muito imediatistas... Enquanto a oração anestésica me mantém vivo, a oração transformadora me faz viver. Para ilustrar: Se alguém me machuca e eu faço a seguinte oração: “- Senhor, arranca do meu coração a mágoa que essa pessoa me causou. Preenche com o teu amor o vazio que essa pessoa me deixou”, estou tomando um anestésico espiritual. Estou me livrando daquele rancor específico, e todas as vezes que essa pessoa me machucar vou ter que repetir a mesma oração. Nunca conseguirei entender o que é o perdão. Jamais compreenderei o porquê daquela atitude. Não entenderei que quando perdôo alguém não estou me livrando de um a mágoa, estou me tornando livre para amar. A oração transformadora, todavia, me permite enxergar toda essa realidade, porque mexe nas minhas bases, nas minhas estruturas. Ela muda a minha conduta, me dá uma lição de vida e me tira da superficialidade que comumente afeta a relação do homem com o seu Criador.
Além disso, Jesus rezava em segredo: “... subiu à montanha para orar na solidão” (Mt 14,23). Seguindo o preceito que lê mesmo instituiu: “Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa.
Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á”(Mt 7,5-6)
Depois, é preciso falar a respeito do jejum e de outras renúncias. Tenho visto um mal muito grande se espalhando entre nós, católicos: é a síndrome do “coitadinho de mim”. É a nossa autopiedade. Dizemos que não jejuamos porque estamos morrendo de fome. Quando, na verdade, a maioria de nós não tem a mínima noção do que significa morrer de fome... Sem falar daqueles jejuns absurdos, que alguns escolhem fazer: “- Durante toda a Quaresma não vou tomar suco de cupuaçu”.Se eu não gosto de suco de cupuaçu, que valor tem essa renúncia? Sem contar aqueles penitentes do tipo autofalante, que saem alardeando aos quatro cantos qual o objeto da sua renúncia durante a Quaresma: “- Por amor ao Senhor, nesses quarenta dias, não vou comer chocolate”. Balela, conversa fiada. Quer é emagrecer. Está dando a Deus aquele famoso “presente de grego”.
Penso que santos como Santa Catarina de Sena, São Francisco de Assis, São Domingos, e tantos outros, reconhecidos pela prática constante do jejum e da penitência, muito se envergonham dessa nossa conduta. Não só eles, mas também penitentes desconhecidos da maioria de nós, como os monges cartuxos. Estes, professam um a regra de vida tão austera que nunca comem carne, nem mesmo quando estão doentes. Certa vez, o papa Urbano V, quis mudar essa regra, tornando-a mais branda. Os monges, porém, contestaram, enviando ao Sumo Pontífice uma Delegação de 27 religiosos. Entre estes, o mais jovem tinha 88 anos! Diante disso, o Santo Padre desistiu dos seus planos de alterar a regra. Esta, parecia não fazer mal algum a saúde - nem do corpo, nem da alma - dos monges...
E, por fim, mas não menos importante, creio que devemos rever a nossa concepção de esmola. Não estou falando de uma doação forçada, como muitas vezes fazemos, por pressão social. Nem estou falando do assistencialismo barato que nos faz jogar aos miseráveis, as moedas que nos pesam nos bolsos. Não me refiro à doação feita por pena, mas sim por obra de misericórdia. Não estou me referindo a uma obrigação cristã, como é o dízimo, mas sim a uma contribuição voluntária, feita por amor e destinada a anônimos cujo nome é Jesus.
Também não quero associar à esmola àqueles casos de filantropia que vemos quando ocorre um grande desastre, como foi o Tsunami algum tempo atrás. Aquilo não é esmola! “Os países ricos se mobilizaram para ajudar”.Para ajudar a quem? A si mesmos, incluindo seus nomes entre os países “bonzinhos” que compõem a lista de doadores! “Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa. Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á” (Mt 7,2-4). Quantos dos famosos artistas generosos que fizeram doações milionárias às vítimas do tsunami compareçam lá, ao local do desastre, dando por esmola seu tempo, sua atenção e sua verdadeira solidariedade? Esmola não é sinônimo de dinheiro!
Diante de tudo isso, resta-nos reconhecer que somos pó e ao pó retornaremos. Contudo, não esqueçamos que importante é estar nas mãos de Deus, pois o pó nas mãos do Senhor é barro, o qual se torna obra de arte quando modelado pela vontade do Divino Oleiro. Quiçá um dia nos tornemos preciosos vasos, prontos a guardar os tesouros do Senhor. Se queremos alcançar essa graça, penso que devemos começar guardando esse tempo de Graça e Misericórdia que a Igreja nos concede, a Quaresma. Deus nos abençoe!
13 fevereiro, 2006
Publicai-o de cima dos telhados
A Religião Verdadeira, a Religião do Verbo Encarnado, é a Religião que deve ser "anunciada de cima dos telhados". Porque a Verdade é um bem e, sendo um bem, a Caridade nos manda compartilhá-la com todas as pessoas. A Igreja sempre considerou o ensino dos ignorantes como obra de misericórdia espiritual. Ensinar faz parte da Sua própria constituição, da Sua própria razão de ser, obediente ao mandamento de Cristo que mandou "ensinar a todos os povos".
A Igreja sempre foi o rochedo inabalável, contra o qual se despedaçam todos os erros e heresias. Os católicos sempre foram os "soldados de Cristo", valentes guerreiros que, na brecha da muralha, batiam-se contra os inimigos da Verdade, denunciando abertamente - de cima dos telhados - os erros do seu tempo.
Isso porque não há nada tão pernicioso para a Verdade quanto a livre-disseminação do erro. A Verdade não pode permitir que o erro seja colocado a seu lado, em pé de igualdade. Igualmente, os que amam a Verdade precisam odiar o erro. Precisam combatê-lo com todas as suas forças. Como nos diz aquela passagem bíblica, do profeta Isaías:
"Por amor a Sião, eu não me calarei, por amor de Jerusalém, não terei sossego, até que sua justiça brilhe como a aurora, e sua salvação como uma flama". (Is 62,1)
Isso reflete bem a vida do católico, enquanto soldado de Cristo, membro da Igreja Militante: ele não pode se calar, por amor a Deus, por amor à Verdade! Não ama a Verdade quem não odeia o erro. Ele não pode ter sossego enquanto o erro grassa a olhos vistos, no mundo, obscurecendo o esplendor da Verdade. Ele não pode descansar, enquanto que o Sol da Justiça - Cristo - não brilha forte no mundo.
O católico precisa anunciar a Verdade de cima dos telhados. Precisa se opôr aos erros firmemente. Precisa denunciá-los claramente. Porque a Verdade não pode ser relativizada em prol de uma convivência pacífica, e nem pode ser sacrificada em atenção aos melindres dos que erram.
Como, aliás, sempre o fizeram os santos de todos os tempos; como não encantar-se com o vigor com o qual São Jerônimo defende a Virgindade Perpétua de Nossa Senhora? Ou a ironia com a qual Santo Ireneu debocha dos gnósticos do seu tempo? Ou o peso das palavras com as quais Santo Tomás fulmina os maniqueus medievais?
Só a título de ilustração, transcrevo o estilo de Santo Ireneu, a atacar os erros dos gnósticos, em fins do século II:
Vejamos agora as inconstantes doutrinas deles [dos gnósticos]. São duas ou três, e como falam de forma diferente sobre as mesmas coisas e, servindo-se de nomes iguais, indicam objetos diferentes. [...][H]á uma Díada inefável, um dos elementos chama-se Inexprimível, o outro Silêncio. Esta Díada emitiu outra Díada, um elemento dela chama-se Pai e o outro Verdade. Esta Tétrada frutificou o Logos e a Vida, o Homem e a Igreja: eis então formada a primeira Ogdôada. Do Logos e da Vida emanaram dez Potências: uma delas se afastou, foi degradada e fez o restante da obra da fabricação.
[...]
Outro [...] ensina que a primeira Ogdôada abrange uma Tétrada da direita e uma da esquerda, uma é a Luz, outra as Trevas. A Potência que se afastou e foi degradada, diz que não deriva dos 30 Eões, mas de seus frutos.
[...]
Outro ilustre mestre deles, dotado de gnose mais sublime e profunda, expõe assim a primeira Tétrada: existe, antes de todas as coisas, um Pró-princípio pró-ininteligível, inexprimível e inominável que chamo Unicidade. Com ele está uma Potência que chamo Unidade. Estas, Unicidade e Unidade, que são uma coisa só, emitiram, sem emitir, um Princípio inteligível, ingênito e invisível, ao qual dou o nome de Mônada. Com esta Mônada está uma Potência da mesma substância, que chamo Um. Estas Potências, isto é, Unicidade e Unidade, Mônada e Um emitiram os restantes Eões.
Ha! he! ah! ah! Valem estas exclamações trágicas diante desta audácia em inventar nomes e aplicá-los despudoradamente a esta mentirosa invenção. Com efeito, quando diz: Existe antes de todas as coisas um Pró-princípio pró-ininteligível que chamo Unicidade e com ele está uma Potência que chamo Unidade, mostra claramente que são ficção todas as palavras que pronunciou e que deu a estas ficções nomes que ninguém antes dele lhes deu. Se não tivesse esta ousadia, segundo ele, ainda hoje a verdade estaria sem nome. Por isso, nada impede que outro qualquer, ao tratar deste assunto, use estes nomes: Existe certo Pró-princípio soberano pró-esvaziado-de-inteligibilidade, pró-esvaziado-de-substância e Potência pró-pró-dotada-de-esfericidade, que chamo Abóbora. Junto com esta Abóbora coexiste uma Potência que chamo Super-vacuidade. A Abóbora e a Super-Vacuidade, sendo um só, emitiram sem emitir um Fruto visível de qualquer lugar, comestível e saboroso, ao qual dou o nome de Pepino. Junto com este Pepino existe uma Potência da mesma substância, que chamo Melão. Estas Potências, isto é, Abóbora e Super-vacuidade, Pepino e Melão emitiram a multidão restante dos Melões delirantes de Valentim. Com efeito, se é necessário ajustar a fala comum à primeira Tétrada e se cada um escolhe os nomes que quer, o que impede usar estes nomes muito mais inteligíveis, usuais e conhecidos de todos? (Santo Ireneu, Contra as Heresias[1], Livro I, Parte II, 11,1-11,4. Grifos meus)
Que falta faz esse estilo, no mundo pagão em que vivemos hoje! Como ele soa "rude", "grosseiro", "politicamente incorreto"! Como ele é "intolerante", "fundamentalista", como ele "desrespeita" as "crenças alheias"! Contudo, este é o estilo dos santos. Que eu, na medida das minhas parcas capacidades, procuro imitar.
Porque, como disse o Papa São Felix III, citado por Leão XIII na sua Encíclica Inimica Vis:
<< Aprova-se um erro, caso não se resista a ele; suprime-se uma verdade, caso não se A defenda. [...] Quem não se opõe a um crime evidente, abre-se à suspeita de secreta cumplicidade. >> (Inimica Vis[2], 7)
E os católicos não podem ser cúmplices de erro algum. Não podem abrir mão de defender a Verdade. Sempre de cima dos telhados, sempre de maneira clara, sem meias palavras e sem ambigüidades.
Mas, infeliz e lamentavelmente, os católicos de hoje em dia, em sua grande maioria, não são adeptos do estilo claro dos santos. Pelo contrário, proclamam a Verdade apenas em sussurros, emitindo, publicamente, opiniões as mais genéricas e abrangentes possíveis, recusando-se a condenar, recusando-se a denunciar. Talvez por medo de parecer "anacrônicos", talvez por medo de "magoar" os que erram, talvez em observância a alguma política de boa convivência. Não sei.
Como sempre faço, dou exemplos. Dois. Ambos sobre a CNBB.
Primum: terminou, recentemente, no dia 29 de janeiro último, o VI Fórum Social Mundial, um encontro de terroristas de esquerda em patente articulação para o seu plano maquiavélico de implantar o socialismo na América Latina. Desse encontro, no qual foram tecidas loas a Che Guevara e no qual o presidente venezuelano Hugo Chávez exclamou frases de efeito como "Socialismo ou Morte!"[3], a CNBB emitiu um cândido artigo[4], visivelmente favorável ou, quando muito, indiferente ao citado encontro; e passou em silêncio absoluto todas as críticas que deviam ser feitas a ele. Oras, como é que existe um encontro internacional que defende manifestamente a implantação do socialismo na América Latina, e a CNBB noticia o encontro omitindo meticulosamente os fatos lá ocorridos que são condenáveis à luz da Doutrina Católica? O que justifica isso?
Secundum: é sabido que está em trâmite um Projeto de Lei[5], que pretende liberar o aborto no país.
É sabido que a CNBB é a responsável pela Campanha da Fraternidade. O citado projeto de Lei já tem quinze anos (é de 1991) e, nos últimos dez anos, nenhuma campanha da fraternidade[6] teve como tema o aborto. E nem o terá a próxima, de 2007. Levando em consideração que a CNBB gastou dinheiro, ano passado, com propaganda a favor de uma lei bolchevique contrária à Doutrina Católica (o referendo do Desarmamento), cabe perguntar: por que não é feito algo parecido para se condenar o aborto? Por que as Campanhas da Fraternidade versam sobre tudo, menos sobre a vida humana indefesa que é atacada?
Para não ser injusto, é preciso reconhecer que há alguns comunicados da CNBB contra o aborto. Contudo, voltemos ao ponto de vista doutrinário. É sabido que quem comete aborto incorre em excomunhão latae sententiae, bem como todas as pessoas que cooperam com o ato - o namorado, a amiga que aconselhou a clínica, a tia que deu dinheiro, etc.
Todo mundo sabe disso? Não. Mas quem consegue encontrar essa informação nos comunicados existentes no site da CNBB? Eu não encontrei. Por que o silêncio? Por que a recusa sistemática em informar a população católica brasileira de que, quem coopera com o aborto, está excomungado da Igreja?
A esmagadora maioria dos católicos brasileiros não sabe o que é o catolicismo (sobre isso, talvez eu fale num próximo artigo). Mas é claro: como é que eles podem saber, se não têm quem lhes ensine? Como é que eles podem aprender, se não se usa mais o estilo claro dos santos, do "sim, sim, não, não"?
Tenha Deus misericórdia do Seu povo, que perece por ignorância. E que nós possamos fazer a nossa parte, anunciando de cima dos telhados aquilo que nos foi ensinado; para que, coerentes com nossa posição de católicos militantes, defendamos a Verdade contra os erros e contribuamos para que o Sol da Justiça - Cristo Deus - brilhe sobre a terra.
Amém.
01 fevereiro, 2006
As coisas que não mudam
É fato facilmente verificável por qualquer um - embora, muitas vezes, possa passar despercebido por muitos - que o mundo moderno idolatra o "Progresso". Essa idéia de que a História caminha numa "evolução", sempre para um estado cada vez melhor; essa idéia de que as coisas estão em contínuo melhoramento; essa idéia de que mudanças são sempre necessárias, pois as coisas que não mudam levam o mundo à estagnação e à morte; essa idéia de que as coisas precisam ser constantemente "atualizadas", porque as coisas "antigas" estão sempre "ultrapassadas" e "não servem mais"; enfim, essas idéias todas conseguem penetrar nas pessoas quase que por osmose, quase que pela força, num bombardeio diuturno feito pelos mais diversos meios. E o homem moderno, sufocado que está por todas essas idéias que lhe são atiradas por todos os lados, muitas vezes é condicionado a tomá-las para si, sem nem perceber que o está fazendo. É condicionado a "pensar" assim, sem nem se perguntar por que o faz.
E essas idéias todas são inimigas da Religião. Existem coisas que não mudam, e essas coisas são exatamente o que há de importante neste mundo, o que o homem deve conseguir, aquilo de que o homem precisa. Deus não muda. E, quando um católico adota - às vezes sem o perceber - essas idéias das quais estamos falando, ele se coloca numa posição difícil e estranha.
Deus não muda. E existe, dentro do homem, uma sede de Deus: nos conhecidos dizeres de Santo Agostinho, Deus criou-nos para Ele, e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa n'Ele. Deus é o fim último do homem, é aquilo que ele deseja com todas as suas forças, é aquilo a que ele deve aspirar. Mas Deus não muda. E o que acontece quando o homem, que deveria aspirar às coisas que não mudam, é ensinado a pensar que as coisas precisam sempre mudar, e está absolutamente convencido (sim, essa contradição é possível e empiricamente verificável) disso?
Acontece que o homem perde o rumo. Desvia-se da sua meta, às vezes por não a reconhecer como tal (os que rejeitam manifestamente a Religião), às vezes por "inventar" outros caminhos - novos caminhos - para chegar até ela (uma estranha espécie de católico).
Cito um exemplo para ilustrar esse segundo caso. Durante séculos, o homem foi ensinado a passar das coisas sensíveis às realidades invisíveis, a subir do visível ao inefável. Esse é, aliás, um dos objetivos da Liturgia: conduzir, por meio dos sentidos, o homem às realidades superiores, que escapam à percepção humana. Deus não muda, mas os homens, na sua realidade temporal, mudam. Cumpre "contradizer", de alguma forma, isso que os homens percebem ao investigar o mundo.
Há uma música bonita de Suely Façanha que expressa bem isso:
A cada passo descobrir
Essa frase - o tempo esconde o que é Eterno - resume o que estou dizendo. O homem aspira ao Eterno, mas o tempo O esconde. O que é preciso fazer? Evidenciar, de alguma forma, esse Eterno. Chamar a atenção para as coisas que não mudam.
E chamar a atenção para as coisas que não mudam é exatamente um dos propósitos da Liturgia, em particular da Santa Missa. Essa deve exprimir, de maneira tão perfeita quanto possível, a Realidade que o homem precisa conhecer, a Realidade Imutável.
Só se pode amar aquilo que se conhece. Como os homens podem amar as coisas que não mudam, se são doutrinados a pensar que todas as coisas precisam mudar? Como os homens podem conhecer o que é Eterno, se este se esconde por trás do Tempo, e se as coisas que deveriam conduzir o espírito ao Eterno estão, também, impregnadas desse pensamento de que "tudo precisa mudar"?
Como o homem pode aprender a amar as coisas que não mudam, se ele é ensinado a odiá-las? Na Santa Missa, expressão máxima da Fé Cristã, que devia - insisto - conduzir a alma humana à contemplação do Imutável, o que aprendem os católicos? Que as missas são "monótonas" se forem sempre iguais. Que é necessário, num dia, dar uma bênção às carteiras de trabalho; n'outro, vestir-se de vermelho; n'outro, vestir-se de verde-e-amarelo e subir ao Altar cantando o Hino Nacional; n'outro, levar garrafas d'água para serem abençoadas e aspergir a casa; n'outro, abençoar as chaves de casa, do carro, et cetera, et cetera, et cetera. Num dia é necessário cantar tais e tais músicas, n'outro dia essas músicas estão ultrapassadas e é necessário cantar tais e tais outras, no outro dia ninguém agüenta mais essas músicas e o padre deveria deixar que cantássemos os últimos sucessos dos Ministérios de Música que existem! Como os católicos podem ser levados a amar as coisas que não mudam, se são condicionados, no mundo e - lamentavelmente - nas igrejas a idolatrarem o Progresso?
Deus não muda - como diz a epígrafe desse texto. E somos levados a esquecer essa verdade. Até quando...? Hoje em dia, especialmente, é difícil manter os olhos fitos no Eterno, porque mudam as coisas que deveriam nos levar a amar o que não muda. Que Maria Santíssima, inimiga de todas as heresias, possa nos livrar desse erro tão pernicioso e tão disseminado ao nosso redor, nesses tempos de Trevas. E que a Luz não tarde a resplandecer.
"Minha alma está muito perturbada; vós, porém, Senhor, até quando?..." (Sl 6,4)
A paz e as bênçãos de Deus.
21 janeiro, 2006
Eu mereço o Inferno.
Ninguém merece a própria salvação. Essa frase pode parecer protestante, mas não é. É catolicíssima. E achei por bem escrever algumas linhas sobre ela.
Quando nós falamos que a salvação não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus (Ef 2, 8), queremos dizer exatamente isso: o homem não merece a própria salvação, por mais que ele seja "bonzinho". Não a merece, porque a Salvação, a Vida Eterna, é coisa infinitamente maior do que tudo que o homem pode ser capaz de fazer.
A diferença entre a versão católica e a versão protestante desse conceito é a seguinte: para os protestantes, o homem absolutamente não merece a Salvação, de forma alguma, nem recompensa alguma dos Céus: é Deus que, sozinho, realiza todo o trabalho de salvar o homem. É o conhecido Sola Fide, que nega o valor das obras; estas servem tão-somente para "mostrar", "evidenciar" a Fé.
A versão católica diz que o homem não merece a Salvação, mas passa a merecê-la de uma forma bem específica: da forma que Deus determinou. Que forma é essa? Por meio da Graça Santificante: sozinho, o homem é incapaz de fazer qualquer ato que seja minimamente meritório; contudo, em Estado de Graça, as suas obras passam a merecer recompensas, porque são feitas unidas a Deus. O homem coopera com Deus na própria salvação. É a conhecida frase de Santo Agostinho: o teu Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti.
Esta foi a forma que Deus "encontrou" para tornar o homem co-responsável pela própria Salvação: embora os atos dele, por serem humanos, sejam ínfimos diante da Infinitude Divina e, justamente por isso, não sejam dignos de recompensa alguma, Deus vem "morar" na alma do homem e, a partir daí, as obras do homem são "também" obras divinas, por serem feitas em união com Deus e, assim, tornam-se dignas de recompensa.
Não sei se me fiz entender: as obras humanas, feitas sozinhas, não têm valor, porque o homem decaído não merece nada dos Céus. Já as obras humanas, feitas em união com Deus, têm valor, sim, por causa da Graça Divina que a elas dá esse valor.
Decidi escrever sobre o assunto porque percebo um problema sério na concepção de Deus que as pessoas, atualmente, têm: Deus deixa de ser Justiça, e passa a ser pura Misericórdia. As pessoas perdem a consciência do pecado, e perdem a consciência de que merecem o Inferno! Essa é uma noção que deveria estar sempre presente em todos os cristãos, não como desespero, que é pecado, mas como um humilde reconhecimento de um fato: eu mereço o Inferno.
Quais as consequências da noção de Deus como Pura Misericórdia, e do esquecimento do fato de que o homem merece o inferno? Vai-se para o outro lado e as pessoas defendem, às vezes inconscientemente, que o homem merece o Céu.
Chesterton, no seu livro "Ortodoxia", nos diz uma coisa muito interessante. Ele afirma que o dom da vida é uma graça absolutamente imerecida e que, por ser imerecida, o homem não tem direito de reclamar de nenhuma das "condições" inerentes a ela. E aí faz uma comparação com os contos de fadas. Reproduzo abaixo essa passagem:
As fadas madrinhas parecem, pelo menos, tão severas quanto as outras madrinhas. Cinderela recebeu uma carruagem vinda do País das Maravilhas e um cocheiro vindo não se sabe de onde, mas recebeu, também, uma ordem [...] - devia estar de volta à meia-noite.
[...]
Se Cinderela diz: "Por que eu tenho que sair do baile à meia-noite?", a madrinha poderia retrucar: "Por que podes ficar lá até a meia noite?". (G.K. Chesterton, Ortodoxia, p.79-80. São Paulo, LTR, 2001)
Qual o pernsamento de Chesterton? Se uma coisa é extraordinária, ela pode, muito bem, ter condições também extraordinárias. Cinderela recebeu, de graça, da fada madrinha, uma ida ao baile; acaso poderia ela reclamar das "condições" nas quais o recebeu? Igualmente, o homem recebeu, de graça, de Deus, a possibilidade de ir para o Céu. Acaso pode o homem barganhar com Deus e exigir ir para o Céu de uma maneira diferente daquela que o Altíssimo determinou?
Isso tem uma aplicação concreta e visível na nossa vida de cristãos. Devemos sempre ter a consciência de que o nosso passaporte para as Moradas Celestes é uma coisa completamente imerecida, e que possui condições bem determinadas para que tenha validade. Não adianta reclamar "ah, eu tenho aqui o passaporte". Oras, por que você tem o passaporte?
O homem não tem direito à Salvação. Não a merece. E as pessoas dos nossos tempos se esquecem disso. Dou só dois exemplos.
O primeiro: um amigo dizia, dia desses, que a esposa dele, mesmo sendo separada e "casada" com ele, ia à Missa e comungava, porque "Deus sabia o que se passava no coração dela". Isso é uma aplicação concreta daquele pressuposto acima: "eu mereço o Céu". Oras, quem é que merece comungar? Ninguém. A comunhão é-nos dada gratuitamente, sem que mereçamos. E existem condições para que se comungue. Uma pessoa, que não merece comungar, exigindo o seu direito de fazê-lo, mesmo descumprindo as condições exigidas, é semelhante à Cinderela que bate o pé com a Fada Madrinha e exige ficar no baile até as três da manhã. Cinderela não tem esse direito. Nem a esposa do meu amigo.
O segundo: a salvação dos protestantes. É praticamente um dogma do senso comum que os hereges, porque "louvam a Deus" e "seguem a Cristo", estão fazendo a sua parte para se salvarem. Não estão. Isso é, de novo, a aplicação do princípio errado de que "o homem merece a Salvação". Parte-se do pressuposto que, por serem "bonzinhos", por "lerem a Bíblia", por "evitarem o pecado", os hereges "merecem" a Salvação. Não merecem. A Salvação é-nos dada gratuitamente, sem que mereçamos, e tem condições bem específicas para ser recebida, entre elas, a submissão ao Romano Pontífice. Descumprir essas condições e, ainda, esperar receber benevolência do Alto, é ser Cinderela de beicinho, duvidando de que, se ficar no Baile até depois da hora permitida, suas vestes de gala serão transformadas nos trapos da Gata Borralheira.
Por isso que o Magistério da Igreja sempre ensinou que é um erro "esperar bem da salvação eterna daqueles todos que não vivem na verdadeira Igreja de Cristo" (Syllabus, 17).
(Aqui, faço um rápido comentário, para dissipar possíveis equívocos sobre a Doutrina Católica: os protestantes e demais que vivem fora da Igreja não vão necessariamente para o Inferno. Porque a Igreja sempre ensinou que, fora de suas estruturas visíveis, há a salvação dos que estão em Ignorância Invencível, sobre a qual posso falar em outra ocasião. São, pois, dois erros opostos sobre os que vivem fora da Igreja: esperar que eles sejam salvos, ou negar-lhes qualquer possibilidade de salvação.)
São essas as considerações que julguei por bem fazer sobre esse tema. Que nós não nos esqueçamos, jamais, da moral da terra dos Contos de Fada; que nós, à semelhança de Cinderela, recebamos humildemente as graças que nos são concedidas junto com as exigências que nos são feitas, sem reclamarmos um pretenso direito que não temos. E que tenhamos sempre a consciência de sermos merecedores do Inferno; e, com os olhos voltados para o Alto, peçamos a Deus clemência e misericórdia, com a firme esperança de que Aquele que é Bom vai nos atender, não porque somos bonzinhos e fazemos tudo certinho, mas simplesmente porque Ele é Bom.
A paz e as Bênçãos de Deus.