"O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vos é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados". (Mt 10,27)
A Religião Verdadeira, a Religião do Verbo Encarnado, é a Religião que deve ser "anunciada de cima dos telhados". Porque a Verdade é um bem e, sendo um bem, a Caridade nos manda compartilhá-la com todas as pessoas. A Igreja sempre considerou o ensino dos ignorantes como obra de misericórdia espiritual. Ensinar faz parte da Sua própria constituição, da Sua própria razão de ser, obediente ao mandamento de Cristo que mandou "ensinar a todos os povos".
A Igreja sempre foi o rochedo inabalável, contra o qual se despedaçam todos os erros e heresias. Os católicos sempre foram os "soldados de Cristo", valentes guerreiros que, na brecha da muralha, batiam-se contra os inimigos da Verdade, denunciando abertamente - de cima dos telhados - os erros do seu tempo.
Isso porque não há nada tão pernicioso para a Verdade quanto a livre-disseminação do erro. A Verdade não pode permitir que o erro seja colocado a seu lado, em pé de igualdade. Igualmente, os que amam a Verdade precisam odiar o erro. Precisam combatê-lo com todas as suas forças. Como nos diz aquela passagem bíblica, do profeta Isaías:
"Por amor a Sião, eu não me calarei, por amor de Jerusalém, não terei sossego, até que sua justiça brilhe como a aurora, e sua salvação como uma flama". (Is 62,1)
Isso reflete bem a vida do católico, enquanto soldado de Cristo, membro da Igreja Militante: ele não pode se calar, por amor a Deus, por amor à Verdade! Não ama a Verdade quem não odeia o erro. Ele não pode ter sossego enquanto o erro grassa a olhos vistos, no mundo, obscurecendo o esplendor da Verdade. Ele não pode descansar, enquanto que o Sol da Justiça - Cristo - não brilha forte no mundo.
O católico precisa anunciar a Verdade de cima dos telhados. Precisa se opôr aos erros firmemente. Precisa denunciá-los claramente. Porque a Verdade não pode ser relativizada em prol de uma convivência pacífica, e nem pode ser sacrificada em atenção aos melindres dos que erram.
Como, aliás, sempre o fizeram os santos de todos os tempos; como não encantar-se com o vigor com o qual São Jerônimo defende a Virgindade Perpétua de Nossa Senhora? Ou a ironia com a qual Santo Ireneu debocha dos gnósticos do seu tempo? Ou o peso das palavras com as quais Santo Tomás fulmina os maniqueus medievais?
Só a título de ilustração, transcrevo o estilo de Santo Ireneu, a atacar os erros dos gnósticos, em fins do século II:
Vejamos agora as inconstantes doutrinas deles [dos gnósticos]. São duas ou três, e como falam de forma diferente sobre as mesmas coisas e, servindo-se de nomes iguais, indicam objetos diferentes. [...][H]á uma Díada inefável, um dos elementos chama-se Inexprimível, o outro Silêncio. Esta Díada emitiu outra Díada, um elemento dela chama-se Pai e o outro Verdade. Esta Tétrada frutificou o Logos e a Vida, o Homem e a Igreja: eis então formada a primeira Ogdôada. Do Logos e da Vida emanaram dez Potências: uma delas se afastou, foi degradada e fez o restante da obra da fabricação.
[...]
Outro [...] ensina que a primeira Ogdôada abrange uma Tétrada da direita e uma da esquerda, uma é a Luz, outra as Trevas. A Potência que se afastou e foi degradada, diz que não deriva dos 30 Eões, mas de seus frutos.
[...]
Outro ilustre mestre deles, dotado de gnose mais sublime e profunda, expõe assim a primeira Tétrada: existe, antes de todas as coisas, um Pró-princípio pró-ininteligível, inexprimível e inominável que chamo Unicidade. Com ele está uma Potência que chamo Unidade. Estas, Unicidade e Unidade, que são uma coisa só, emitiram, sem emitir, um Princípio inteligível, ingênito e invisível, ao qual dou o nome de Mônada. Com esta Mônada está uma Potência da mesma substância, que chamo Um. Estas Potências, isto é, Unicidade e Unidade, Mônada e Um emitiram os restantes Eões.
Ha! he! ah! ah! Valem estas exclamações trágicas diante desta audácia em inventar nomes e aplicá-los despudoradamente a esta mentirosa invenção. Com efeito, quando diz: Existe antes de todas as coisas um Pró-princípio pró-ininteligível que chamo Unicidade e com ele está uma Potência que chamo Unidade, mostra claramente que são ficção todas as palavras que pronunciou e que deu a estas ficções nomes que ninguém antes dele lhes deu. Se não tivesse esta ousadia, segundo ele, ainda hoje a verdade estaria sem nome. Por isso, nada impede que outro qualquer, ao tratar deste assunto, use estes nomes: Existe certo Pró-princípio soberano pró-esvaziado-de-inteligibilidade, pró-esvaziado-de-substância e Potência pró-pró-dotada-de-esfericidade, que chamo Abóbora. Junto com esta Abóbora coexiste uma Potência que chamo Super-vacuidade. A Abóbora e a Super-Vacuidade, sendo um só, emitiram sem emitir um Fruto visível de qualquer lugar, comestível e saboroso, ao qual dou o nome de Pepino. Junto com este Pepino existe uma Potência da mesma substância, que chamo Melão. Estas Potências, isto é, Abóbora e Super-vacuidade, Pepino e Melão emitiram a multidão restante dos Melões delirantes de Valentim. Com efeito, se é necessário ajustar a fala comum à primeira Tétrada e se cada um escolhe os nomes que quer, o que impede usar estes nomes muito mais inteligíveis, usuais e conhecidos de todos? (Santo Ireneu, Contra as Heresias[1], Livro I, Parte II, 11,1-11,4. Grifos meus)
Que falta faz esse estilo, no mundo pagão em que vivemos hoje! Como ele soa "rude", "grosseiro", "politicamente incorreto"! Como ele é "intolerante", "fundamentalista", como ele "desrespeita" as "crenças alheias"! Contudo, este é o estilo dos santos. Que eu, na medida das minhas parcas capacidades, procuro imitar.
Porque, como disse o Papa São Felix III, citado por Leão XIII na sua Encíclica Inimica Vis:
<< Aprova-se um erro, caso não se resista a ele; suprime-se uma verdade, caso não se A defenda. [...] Quem não se opõe a um crime evidente, abre-se à suspeita de secreta cumplicidade. >> (Inimica Vis[2], 7)
E os católicos não podem ser cúmplices de erro algum. Não podem abrir mão de defender a Verdade. Sempre de cima dos telhados, sempre de maneira clara, sem meias palavras e sem ambigüidades.
Mas, infeliz e lamentavelmente, os católicos de hoje em dia, em sua grande maioria, não são adeptos do estilo claro dos santos. Pelo contrário, proclamam a Verdade apenas em sussurros, emitindo, publicamente, opiniões as mais genéricas e abrangentes possíveis, recusando-se a condenar, recusando-se a denunciar. Talvez por medo de parecer "anacrônicos", talvez por medo de "magoar" os que erram, talvez em observância a alguma política de boa convivência. Não sei.
Como sempre faço, dou exemplos. Dois. Ambos sobre a CNBB.
Primum: terminou, recentemente, no dia 29 de janeiro último, o VI Fórum Social Mundial, um encontro de terroristas de esquerda em patente articulação para o seu plano maquiavélico de implantar o socialismo na América Latina. Desse encontro, no qual foram tecidas loas a Che Guevara e no qual o presidente venezuelano Hugo Chávez exclamou frases de efeito como "Socialismo ou Morte!"[3], a CNBB emitiu um cândido artigo[4], visivelmente favorável ou, quando muito, indiferente ao citado encontro; e passou em silêncio absoluto todas as críticas que deviam ser feitas a ele. Oras, como é que existe um encontro internacional que defende manifestamente a implantação do socialismo na América Latina, e a CNBB noticia o encontro omitindo meticulosamente os fatos lá ocorridos que são condenáveis à luz da Doutrina Católica? O que justifica isso?
Secundum: é sabido que está em trâmite um Projeto de Lei[5], que pretende liberar o aborto no país.
É sabido que a CNBB é a responsável pela Campanha da Fraternidade. O citado projeto de Lei já tem quinze anos (é de 1991) e, nos últimos dez anos, nenhuma campanha da fraternidade[6] teve como tema o aborto. E nem o terá a próxima, de 2007. Levando em consideração que a CNBB gastou dinheiro, ano passado, com propaganda a favor de uma lei bolchevique contrária à Doutrina Católica (o referendo do Desarmamento), cabe perguntar: por que não é feito algo parecido para se condenar o aborto? Por que as Campanhas da Fraternidade versam sobre tudo, menos sobre a vida humana indefesa que é atacada?
Para não ser injusto, é preciso reconhecer que há alguns comunicados da CNBB contra o aborto. Contudo, voltemos ao ponto de vista doutrinário. É sabido que quem comete aborto incorre em excomunhão latae sententiae, bem como todas as pessoas que cooperam com o ato - o namorado, a amiga que aconselhou a clínica, a tia que deu dinheiro, etc.
Todo mundo sabe disso? Não. Mas quem consegue encontrar essa informação nos comunicados existentes no site da CNBB? Eu não encontrei. Por que o silêncio? Por que a recusa sistemática em informar a população católica brasileira de que, quem coopera com o aborto, está excomungado da Igreja?
A esmagadora maioria dos católicos brasileiros não sabe o que é o catolicismo (sobre isso, talvez eu fale num próximo artigo). Mas é claro: como é que eles podem saber, se não têm quem lhes ensine? Como é que eles podem aprender, se não se usa mais o estilo claro dos santos, do "sim, sim, não, não"?
Tenha Deus misericórdia do Seu povo, que perece por ignorância. E que nós possamos fazer a nossa parte, anunciando de cima dos telhados aquilo que nos foi ensinado; para que, coerentes com nossa posição de católicos militantes, defendamos a Verdade contra os erros e contribuamos para que o Sol da Justiça - Cristo Deus - brilhe sobre a terra.
Amém.
Referências: