“O que tens na mão?” (Ex 4,2)
Essa é a pergunta que Deus faz a Moisés quando este tenta se esquivar de sua missão. Deus o convida a libertar Israel da mão do Faraó, mas Moisés arruma mil desculpas – todas elas esfarrapadas – para se escusar de sua tarefa.
É interessante perceber que Deus sempre usa aquilo que está em nós para cumprir os seus desígnios. No Episódio da sarça ardente (Ex 3.4, 1-17) essa realidade fica bem evidente. Primeiro Deus usou a curiosidade de Moisés: Quando ele apascentava o rebanho do sogro, vê uma sarça ardendo sem se consumir; algo como uma chama inextinguível, uma labareda que jamais se apagava, nem arrefecia. Moisés então diz: “Vou me aproximar para contemplar esse extraordinário espetáculo, e saber por que a sarça não se consome” (Ex 3,3).O extraordinário atraiu Moisés ao Extraordinário; ele iria conhecer não só os Mandamentos de Deus, mas o próprio Deus dos Mandamentos. Entretanto ser atraído pelo extraordinário espetáculo é particularmente perigoso porque se corre o risco de nos tornarmos superficiais. De parar no fenômeno e não enxergarmos o Autor do fenômeno. Corremos o risco de não perceber Deus nas coisas simples, no ordinário. É, aliás, uma mania antiga que nós temos: achamos que Deus está no fogo ardente, no vento impetuoso e nos terremotos, e esquecemo-nos de que ele se encontra na suavidade da brisa (I Rs 19,11-12). Mas ainda assim, correndo todos os riscos, a primeira “isca” que Deus usou para fisgar Moisés foi a curiosidade.
Depois Deus usou o nome de Moisés. Moisés significa saído das águas. Chamando-o pelo nome Deus mostra que o conhece, que quer cativá-lo. Deus sabia quem era Moisés e mesmo assim o escolheu.
Deus usou também a disponibilidade de Moisés. No momento em que Moisés mostra interesse, se aproxima, é então que o Senhor se lhe revela. Pois quando Iahweh o chama pelo nome a resposta de Moisés é a que aparece ao longo de toda a Sagrada Escritura na boca dos que servem a Deus de modo autêntico: Eis-me aqui! Lembremos que Deus usou a disponibilidade de Maria para cumprir seu projeto de salvação. A disponibilidade é uma arma muito poderosa nas mãos de Deus. Em certa medida, podemos dizer que sem ela não há redenção.
Moisés então reclama que não tem o dom da palavra. E Deus usou Aarão para cumprir sua vontade. Daquela hora em diante, disse o Senhor, Aarão seria para Moisés uma boca e Moisés lhe serviria de Deus. (Ex 4,16). Muitas vezes somos “ricos demais”, a ponto de nos tornarmos cegos e não percebemos que o irmão – quem quer que seja ele - pode ser um canal da graça de Deus para mim. Muitas vezes o orgulho nos impede de enxergar que Deus não depende de nós. E que, se Ele não me usar para fazer determinada coisa, usará outra pessoa. Mas os seus projetos sempre se cumprem.
Mas o ápice dessa pedagogia divina (de usar o que esta em nós) acontece quando o Senhor pronuncia a seguinte frase: “Que tens na mão?” Moisés responde: “uma vara”. E Deus usou a vara de Moisés para realizar prodígios diante do próprio Moisés, do Faraó e de todo o povo de Israel. Semelhante pergunta Jesus fez aos apóstolos quando realizou a primeira multiplicação dos pães.(Mc 6,38). Jesus usou o que tinham e alimentou mais de 5 mil homens sem contar mulheres e crianças. Mas, hoje me dia, já não somos crianças generosas como aquela que deu ao Senhor os cinco pães e os dois peixes para que Ele os multiplicasse. Depois de ressuscitado Cristo também pergunta aos apóstolos o que eles tinham para comer. E Deus usa a comida que eles lhe oferecem para provar que está vivo, ressuscitado, e que não é um fantasma. Comendo com eles Jesus mostra que é o mesmo ontem, hoje e sempre.
Na verdade tudo isso faz parte de uma “técnica” de Deus para nos conquistar. A dominicana de Sena nos ensina: “Criei-vos sem vossa colaboração; não pedistes para existir; mas sem vosso concurso não vos salvarei”.(Santa Catarina de Sena, O Diálogo, 36.2). Isso não é uma necessidade, mas um desejo de Deus. Nos apenas participamos das realizações de Deus.
Um dos grandes problemas do mundo moderno é que temos negado a Deus aquilo que temos. Não temos dado ao Senhor o que é d’Ele. Temos tirado as ferramentas de Deus e dado as costas para a sua vontade. Quantos de nós andamos escondendo aquilo que temos, como aquele servo mau e preguiçoso que enterrou seu talento (Mt 25,26)? Quantos médicos cristãos há que nunca deram uma hora de consulta para o Senhor? Quanto advogados nunca lutaram para que fosse feita justiça aos pobres? Quantos professores, contadores, músicos, psicólogos, pedagogos, dentistas, administradores, pedreiros, encanadores, que nunca colocaram ao serviço de Deus os seus dons, as suas profissões? Quantos há que moram nas ruas sem que lhes ofereçamos um pouco do conforto que temos? Quantos há que passam fome e não participam dos nossos rodízios de pizza, de carne ou do que quer que seja? Quantos sedentos há que dariam tudo por um pouco daquela coca-cola que bebemos mesmo sem ter sede, apenas por vício? Quantos há que passam frio enquanto nós dormimos sob nossos edredons?
Dar a Deus aquilo que temos e permitir que Ele use o que está em nós não é fruto da nossa generosidade. Simplesmente porque nós somos egoístas e em nós não há nenhum vestígio de generosidade. Ser caridoso e doar-se é apenas gratidão. É retribuir e partilhar, com o próximo, tudo o que temos nas mãos, tudo aquilo que Deus nos deu.
O que tens na mão?(Ex 4,2). Que essa pergunta possa ecoar em nós e que ela nos faça repensar no nosso serviço e na responsabilidade que temos de usar os talentos que recebemos para a glória de Deus e salvação das almas.
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