Ontem, junto com uns amigos, discutíamos literatura numa mesa de bar, entre um chopp e outro, depois do horário de trabalho. Passando rapidamente pelas diversas escolas literárias - que nós aprendemos no Ginásio, em preparação para o vestibular - fiz notar que a obra poética do parnasianismo se resumia a dois poetas e uns cinco sonetos (um "Ora, direis, ouvir estrelas", outro "Vai-se a primeira pomba despertada", e mais uns dois ou três que eu não recordava no momento, quiçá graças ao chopp), quando muito. O resto não tinha valor.
Ora, não parece estranho que uma escola literária inteira possa se resumir a meia dúzia de sonetos?! Fui acusado de "argumentum ad ignorantiam" - só porque eu não conhecia o que havia de bom no parnasianismo, afirmava assim com tanta petulância que não existia, nele, nada de bom.
Errei, é verdade. Dou a mão à palmatória. Hoje, pela manhã, um dos meus companheiros de mesa de ontem veio-me com um poema belíssimo, parnasiano, e que nem soneto é (!). O autor? Raimundo Correia. O poema? "Ser moça e bela ser". Segue abaixo: não liguem para as construções rebuscadas e os vocábulos escolhidos a dedo entre os menos usuais possíveis. É tributo pago à escola da época. Leiam até perceberem a imagem - belíssima! - pelo poeta utilizada:
Ser moça e bela ser
Ser moça e bela ser, por que é que lhe não basta?
Porque tudo o que tem de fresco e virgem gasta
E destrói? Porque atrás de uma vaga esperança
Fátua, aérea e fugaz, frenética se lança
A voar, a voar?...
Também a borboleta,
Mal rompe a ninfa, o estojo abrindo, ávida e inquieta,
As antenas agita, ensaia o vôo, adeja;
O finíssimo pó das asas espaneja;
Pouco habituada à luz, a luz logo a embriaga;
Bóia do sol na morna e rutilante vaga;
Em grandes doses bebe o azul; tonta, espairece
No éter; voa em redor, vai e vem; sobe e desce;
Torna a subir e torna a descer; e ora gira
Contra as correntes do ar, ora, incauta, se atira
Contra o tojo e os sarcais; nas puas lancinantes
Em pedaços faz logo às asas cintilantes;
Da tênue escama de ouro os resquícios mesquinhos
Presos lhe vão ficando à ponta dos espinhos;
Uma porção de si deixa por onde passa,
E, enquanto há vida ainda, esvoaça, esvoaça,
Como um leve papel solto à mercê do vento;
Pousa aqui, voa além, até vir o momento
Em que de todo, enfim, se rasga e dilacera.
ó borboleta, pára! ó mocidade, espera!
Notaram? Logo quando o li, não pude deixar de pensar comigo mesmo: que coisa mais... católica! A consciência de que a mocidade se estraga... a incompreensão, perguntando por que não basta aos jovens apenas serem jovens... a comparação magistral com a borboleta-bêbada que, "encantada" com a luz do sol, o azul do céu e as próprias asas, arrasta-se em um vôo vertiginoso que a machuca enquanto bate nos espinhos... e o brado desesperado à borboleta que "se rasga e dilacera" - pára! - colocado em paralelo com o brado feito à juventude que faz a mesma coisa: espera!
Sim, jovens... esperai! Não estragueis aquilo que tendes de melhor, voando "como um papel solto à mercê do vento", lançando-vos frenéticos e sôfregos à ruína, encantados com os vossos dons, com a vossa beleza... esperai, jovens! Tendes beleza e tendes encantos, mas não os estragueis com uma vida desordenada, com uma busca desesperada de prazeres e mais prazeres, como o mundo vos convida a fazer. Jovens, esperai! Valeis mais do que borboletas. Não fostes feitos para voar a esmo, na empolgação da descoberta do que sois. Não fostes criados para desperdiçardes o que tendes de bom nos espinhos do mundo, desgastando-vos com quem não tem nada para vos oferecer. Jovens... esperai! Não fostes criado para menos do que os altares.
... et introibo ad altare Dei,
ad Deum qui laetificat iuventutem meam.
Que seja este sempre o anseio de todos nós, jovens.
23 outubro, 2007
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